Faggin: Transcendência e Panteísmo

Giuseppe Faggin — Meister Eckhart e a mística medieval alemã
Excertos da tradução portuguesa da ECE Editora, 1984
A ESTRUTURA TEOLÓGICO-METAFÍSICA DA MÍSTICA ECKHARTIANA
(continuação)

Não é possível afirmar decididamente que esta concepção seja panteísta. Plotino insiste contínua e vigorosamente sobre a transcendência do Uno e sobre a irredutibilidade das três hipóstases; a onipresença do Uno não destrói as distinções senão que constitui seu fundamento. E, além disto, a falta de perfeição no processo descendente acentua ainda mais o dualismo dos planos da vida espiritual, de modo que Plotino se vê obrigado a ensaiar sempre novas mediações para explicar a continuidade da vida que é um dos princípios fundamentais de sua metafísica. E mais ainda, em seu sistema justamente essa continuidade delineia a possibilidade e o alcance do elemento empírico que geralmente persiste nas doutrinas místicas — o veremos também em Eckhart — como suspenso no vazio, sem nenhuma justificação. A corporalidade, com efeito, enquanto por um lado é o limite extremo e inevitável da irradiação divina e,portanto,elemento necessário da potência criadora absoluta, por outro lado é o ponto de partida de um retorno espiritual e cumpre uma função propulsora que, no grego Plotino, não é tão somente moral, como também cultural e estética. Também o corpóreo tem seu grau de ser: a própria individualidade não deriva da matéria, senão que pertence à ordem da forma e não se pode explicar mais que mediante as razões seminais e não é, portanto, um momento efêmero de um mundo de sombras, mas originalidade irredutível e destino concreto.

Indubitavelmente, o que delineia a questão panteísta é sobretudo a visão estática e final do Uno. Com frequência Plotino não fala desta experiência suprema como de um acontecimento comum e natural; mas tem que falar dela para não deixar sem solução o problema da salvação e não abandonar o Uno como vazia negação lógica. Porque o Uno é o Ser, quer dizer, objeto de pensamento, a alma não pode acalmar-se em um ato de conhecimento; deve atualizar em si mesma esta unidade que é o ato supremo de sua própria liberdade, é impossível definir a experiência mística; mas o pensamento, ao refletir sobre este ato, segundo as imprescindíveis exigências do espírito, não pode deixar de conceber a intuição mística como unificação absoluta da alma com Deus: de outro modo a alma não alcançaria seu fim último, condenada a um vão esforço e Deus se reduziria a ser o inalcançável objeto do pensamento, símbolo eterno da derrota de nossa inteligência, e não seria nosso Bem e nossa Vida imanente. Parece então inevitável que, ao declarar o valor da suprema experiência, nosso pensamento empregue termos de autêntico sabor panteísta e proponha à reflexão este angustioso problema que no ato vivido não existe, portanto, não será nunca possível transpor o círculo mágico das fórmulas místicas para resolver o problema do panteísmo se no lugar de nos atermos unicamente a elas, não olharmos o complexo sistema racional que as sustenta e organiza. Em Plotino, a alma não é individualidade efêmera nem é idêntica natural e imediatamente a Deus; entre o Uno e a alma está o Nous, que impõe ao nosso agir moral e intelectual uma tarefa teórica que nos eleve a planos espirituais superiores. A alma não é divina, mas se torna divina. A onipresença do Uno a acolhe como acolhe em si qualquer outra realidade substancial e fenomênica; e a alma o encontra em seu “centro” como sua própria unidade íntima e nele esquece tudo o que no mundo da multiplicidade a colocava em oposição — no tempo e no espaço — a outras coisas, mas nem por isso anula sua individualidade espiritual que é originária e irredutível. Parece-nos que o sistema plotiniano compreende plenamente as exigências do dualismo entre a alma e Deus; e isto lhe permite colorir dramaticamente o destino da alma errante afastada do Pai. Mas com maior intensidade põe em relevo o que vale mais, isto é, o retorno ao Bem. Mas neste caso quem pode, melhor que Plotino, atenuar as expressões da própria alegria divina?

Por esta razão, se Plotino parece oscilar entre uma posição panteísta e as declarações de uma decidida transcendência, isto não se deve à incerteza do seu pensamento senão à própria natureza da vida espiritual que é ritmo de Vida e de forma, de Infinito e de finito, de inefáveis experiências e de árduos pensamentos. E o pensamento, chamado a pronunciar-se sobre o prodígio maior, não pode nem sabe dar-se conta de si, senão escandalizando-se com a audácia de suas fórmulas, como para renovar com elas nas mentes adormecidas o assombro e a maravilha do numinoso, sabendo muito bem que elas também continuam sempre um nome vão diante do Inexpressável.