Grande parte das dificuldades, no estudo da teoria do verbo mental em Tomás de Aquino, provém de que não se teve cuidado de recolocar os textos em questão nas perspectivas diversas em que foram elaborados.
Encontra-se, primeiro, todo um conjunto de textos sobre o conhecimento onde não existe menção alguma de um termo interior ou de um verbo. O Doutor angélico, neste caso, segue apenas à letra o ensinamento de Aristóteles. O que é atingido diretamente é a coisa, “res”, e não a modificação do espírito. Pretender o contrário é cair, com Protágoras, em um relativismo insustentável: tudo o que me aparece é verdadeiro enquanto tal. Ciência e verdade encontram-se assim comprometidas. Contrariamente, é preciso afirmar que a “species” inteligível é apenas um princípio “quo” de intelecção, o que quer dizer que se encontra só na origem do ato e assim só pode ser captada de maneira reflexiva.
De fato, colocados à parte dois ou três textos, a teoria do verbo foi desenvolvida por Tomás de Aquino tão somente em vista de sua utilização para o dogma da geração da Segunda Pessoa da SS. Trindade. Podendo uma tal operação ser concebida só como um processo de conhecimento, torna-se de grande interesse reencontrar, em toda intelecção, uma produção interior, com a qual se poderá comparar a geração trinitária. Diga-se de passagem que aqui se encontra um dos tipos mais acabados do desenvolvimento de uma doutrina filosófica sob a influência da fé.
Todavia, se a teoria do verbo foi elaborada com preocupações teológicas, pode ser igualmente abordada como um problema de filosofia. O conhecimento aparece, com efeito, claramente marcado por um caráter expressivo que deve ser levado em conta. Por outro lado, tendo sido a atividade intelectual reconhecida como imanente, coloca-se necessariamente a questão da existência de um termo interior ao pensamento.
Nota de vocabulário. A expressão “verbum mentis” – em comparação com “verbum oris”, a palavra -, encontra-se mais habitualmente empregada por Tomás de Aquino em vista das aplicações trinitárias da doutrina. Em contexto psicológico, seria preferível falar de “conceptio” ou de “intentio intellecta”. A expressão corrente da escolástica contemporânea de “species expressa”, em oposição à “species impressa”, que designa a forma do conhecimento, aparece só mais tarde.
Em um texto clássico (Cont. Gent. I, 53), Tomás de Aquino dá duas razões da existência do verbo no conhecimento intelectual. Em primeiro lugar, sendo a inteligência capaz de apreender as coisas em sua ausência, como também em sua presença, impõe-se evidentemente, ao menos no primeiro caso, que o objeto conhecido encontre-se na potência de conhecer. O segundo motivo é mais fundamental e vale universalmente: devendo o objeto captado pela inteligência estar, como tal, separado das condições da matéria, é necessário, se se trata de coisas materiais, que a faculdade de conhecer lhe confira um modo de existência correspondente, o que só pode acontecer no seio de sua imanência.
Estas razões, que antes se prendem às condições de imperfeição do conhecimento humano, não bastam para assegurar, à doutrina trinitária da geração, a base analógica que requer. Assim, João de Tomás de Aquino (De An. q. 11) , apoiando-se sobre certos textos de Tomás de Aquino, invoca, para igualmente justificar a produção do verbo, uma certa lei positiva de super-abundância; naturalmente somos levados a exprimir e a manifestar, o que aprendemos, dizendo-o. Há nisto uma certa exigência de perfeição do pensamento. Todavia, continua nosso autor, que não se vá até ao ponto de fazer da dita produção uma necessidade absoluta, nem de apresentá-la como fim à mesma intelecção: este último ato, nós o vimos, é absolutamente termo, e, se é preciso um verbo, é antes em benefício da intelecção.
Deve-se, todavia, reconhecer que em toda intelecção existe um verbo? No caso do conhecimento humano uma tal exigência ocorre, não somente para o conhecimento das coisas materiais, mas ainda no da alma por si mesma. Igualmente o anjo: ainda que sua essência, objeto próprio de sua inteligência, imediatamente lhe esteja presente, só se conhece em um verbo. Tomás de Aquino conservará só um caso onde não há produção de um verbo: na visão beatífica: Deus é perfeitamente inteligível por si mesmo e pode terminar, de modo imediato, o ato de apreensão de sua essência. Sendo, por outro lado, infinita, esta não poderia ser representada de modo adequado por alguma semelhança criada.
No conhecimento, refere-se o verbo a duas coisas: à atividade intelectual que o produz e à coisa que representa ao espírito.
O verbo como produção. A questão que aqui se coloca é de se saber se a produção do verbo é um simples efeito da intelecção ou se não se supõe uma atividade distinta do espírito. Tomás de Aquino (De Veritate, q. 4, a. 2 ad 5) sustenta a primeira hipótese. Parece completamente gratuito e seria supérfluo duplicar em nós o ato propriamente dito de conhecer por uma atividade produtora de um verbo. O “dicere”, muitas vezes considerado à parte, não é, portanto, distinto realmente do “intelligere”. Assim, o verbo resulta da intelecção de maneira imediata. Lembrar-se-á, todavia, que não se deve dizer dele que seja propriamente o fim. É oportuno acrescentar que, como para a “species quo”, o verbo pode ser considerado objetivamente (ou em seu ser representativo) ou entitativamente (em relação ao sujeito inteligente do qual é então um acidente que o qualifica).
O verbo como semelhança. Relacionado, não mais ao sujeito que o produz, mas ao objeto conhecido, o verbo aparece como uma semelhança. Esta qualidade lhe advém do fato de que a “species”, que está no princípio do ato intelectual, é uma semelhança da coisa exterior: “pelo fato de a “species” inteligível, que é a forma do intelecto e o princípio de intelecção, ser a semelhança da coisa exterior, segue-se que o intelecto produz uma intenção que é semelhante a esta coisa” (Cont. Gent. I, c. 53).
O que representa exatamente esta semelhança? De um modo geral, semelhança quer dizer unidade no gênero qualidade. Mas aqui qualidade deve ser entendida em sentido amplo como que significando, em particular, a diferença específica ou a essência da coisa. É, portanto, com esta que o verbo se relaciona antes de tudo. Todavia, teremos ocasião de o repetir ao estudar o devir do conhecimento, permanecendo as primeiras apreensões de nossa inteligência muito gerais e confusas, as representações que lhes são correspondentes só podem ser imperfeitas; a relação de semelhança do verbo será precisada, pois, só de modo progressivo.
O verbo: têrmo relativo ou têrmo último do conhecimento?
No conhecimento, a interposição de um termo imanente entre a inteligência e a coisa exterior não pode deixar de levantar uma dificuldade. É a coisa que é atingida pela inteligência, ou se deve falar que é a concepção interior do espírito? E, admitindo esta segunda hipótese, não se compromete o realismo do conhecimento ou uma determinação interior do ato?
Este problema, que pouco preocupou os medievais, tomou toda sua acuidade com a controvérsia idealista (cf. a recente polêmica entre tomistas : Maritain, Réflexions sur l’intelligence, c. 2; Les degrés du savoir, c. 3, 26 e Apêndice I; Roland Gosselin, Rev. SC. Phil. et Théol. 1925, pág. 200 ss.; Blanche, Bull. Thom., 1925, pág. 361 ss.). Como a discussão não deixou de ser confusa, não será sem utilidade pararmos um pouco neste ponto.
A fixação do verdadeiro pensamento de nosso Doutor aparece, numa primeira leitura, irrealizável, pois uma série de textos parece levar a um imediatismo sem compromissos, enquanto outros, com uma não menor clareza, afirmam que o verbo é o termo mesmo atingido no conhecimento.
Em favor da primeira concepção, baste-nos lembrar a exposição perfeitamente clara e explícita da Prima Pars (q. 85, a. 2), onde se declara que o que é diretamente conhecido é a coisa e não a “species”; esta só é, atingida por reflexão; assim: “quod cognoscitur est res”. Outros textos são ainda mais categóricos (cf. Cont. Gent., IV, c. 11): “que a intenção da qual se trata não seja em nós aquilo que é apreendido pela inteligência, isto vem do fato de que uma coisa é apreender a coisa, e outra é captar a intenção inteligível, o que a inteligência realiza quando reflete sobre seu ato”. A “intenção inteligível”, isto é, o verbo, é, pois, atingido somente em um ato reflexo; só a coisa é atingida diretamente. Isto é totalmente claro.
Outros textos, infelizmente, parecem afirmar exatamente o contrário (cf. De Pot., q. 9, a. 5):
“o que de per- si é atingido pela inteligência não é esta coisa da qual se tem conhecimento… mas o que antes de tudo é de per si atingido, é aquilo que a inteligência em si mesma concebe da coisa conhecida”.
Algumas passagens, porém, parecem pretender uma conciliação (cf. De Ver., q. 4, a. 2 ad 3): “A concepção da inteligência é intermediária entre a inteligência e a coisa, porque é por ela que a dita operação chega até à coisa; segue-se disto que a concepção da inteligência não é somente o que é captado, – id quod intellectum est, mas também aquilo por meio do qual a coisa é captada, – id quo res intelligitur, -de modo que aquilo que é captado aplica-se à própria coisa e à concepção da inteligência, – sic quod intelligitur possit dici et res ipsa et conceptio intellectus. (Cf. paralelamente In Joan., c. 1:) “O verbo é comparado à inteligência não como aquilo por meio do qual ela capta seu objeto, – quo intelligit, – mas, aquilo no qual ela o capta -in quo intelligit porque é nele, formado e expresso, que vê a natureza da coisa”.
Para colocar um pouco de clareza neste debate, importa lembrar que Tomás de Aquino aqui escreve sob duas perspectivas diferentes: na linha da teoria do conhecimento de Aristóteles e na linha da teoria da geração trinitária do Verbo. Com Aristóteles, trata-se de evitar o subjetivismo de Protágoras, para quem o objeto do conhecimento seria a modificação mesma do sujeito. E neste caso é a imediação do conhecimento que naturalmente deve ser colocada em evidência. Com os teólogos, procura-se assegurar um termo interior do pensamento, onde naturalmente se é levado a sublinhar o caráter de imanência do ato da inteligência. Isto reconhecido, será permitido que nosso autor, levado pela preocupação especial de cada uma de suas exposições, não cuidou de circunstanciar todas as suas fórmulas. Os textos mais completos, sobre os quais convém antes de tudo se apoiar, são aqueles nos quais são propostos os dois aspectos da doutrina.
Portanto, o que é captado pelo espírito pode-se referir tanto à coisa mesma, como à concepção da inteligência, “et res ipsa et conceptio intellectus”; de modo que o verbo é ao mesmo tempo: “quod intellectum est” e “id quo intelligitur”. É bem um termo, mas relativo tão somente, pois o termo absoluto é a própria coisa.
O verbo como sinal formal. Constata-se, muitas vezes, na discussão deste problema, uma doutrina do sinal cujo desenvolvimento parece dever-se atribuir a João de Santo Tomás (cf. Curs. phil., Log., IIa Pa q. 22, a. 1 e 2). A concepção do espírito seria um sinal da coisa que representa. Mas há duas espécies de sinal: – o sinal instrumental, que tem por caráter próprio levar o espírito a uma realidade diferente da que foi apreendida: “quod praeter species qua ingerit sensui, aliud facit in cognitionem venire”: assim, percebendo a fumaça infiro o fogo que é uma outra coisa; – o sinal formal que, também ele, faz conhecer outra coisa, mas em si mesmo e de modo imediato; há, neste caso, simultaneidade entre a captação do sinal e a do significado.
Se o verbo mental for um sinal, só pode evidentemente ser um sinal formal, isto é, não é uma coisa que nos conduz ao conhecimento de outra, mas uma coisa na qual diretamente captamos uma outra. A razão formal do objeto exterior encontra-se assim imediatamente apreendida, só sendo atingida em um termo imanente ao espírito. Dúplice aspecto da imanência e da exterioridade de nosso conhecimento intelectual que convém manter simultaneamente, se se quer evitar os extremos do mediatismo ruidoso das “ideias quadros” e de um imediatismo da coisa e de nossa faculdade que é perfeitamente ininteligível.
Assim, o ato intelectual humano se constitui de quatro elementos: a faculdade mesma, a “species” que a atua, a intelecção e o verbo. Vistas na linha de uma metafísica geral da atividade, as condições especiais deste ato nos levaram a estas distinções. Não se pode, todavia, esquecer que analisar não é espedaçar. Na pluralidade de seus princípios, o ato de conhecimento guarda uma verdadeira unidade e definitivamente é esta que toca de início a consciência. Para tudo retomar ainda uma vez, citaremos este belo texto do Contra Gentiles, já antes usado (I, c. 53):
“A coisa exterior, apreendida pela nossa inteligência, não existe segundo sua natureza, mas é preciso que sua semelhança, pela qual se encontra atuada, esteja em nossa inteligência. Atuada pela dita semelhança, como por sua forma própria, nossa inteligência capta a própria coisa; não que a intelecção seja por si uma ação que passa para a coisa exterior, como o aquecimento se comunica ao que é aquecido, mas permanece no que faz ato de inteligência e tem relação à coisa que é captada, no que a “species” em questão, que é princípio formal de operação intelectual, é a semelhança da coisa É preciso ainda observar que a inteligência, informada pela “species” da coisa, forma em si mesma uma certa intenção do objeto apreendido, a qual é a razão que significa sua definição. Isto se impõe pelo fato de a inteligência captar indiferentemente uma coisa ausente e presente, no que a imaginação lhe é semelhante. Ainda mais, a inteligência tem isto de particular: ela capta a coisa como separada destas condições materiais sem as quais não pode existir na realidade concreta, o que seria impossível se esta faculdade não se formasse “intenção” do modo como foi dito. Ora, esta intenção apreendida, pelo fato de ser o quase-termo da operação intelectual, é diferente da “species inteligível”, a qual, atuando a inteligência, deve ser tida como seu princípio, sendo, aliás, uma e outra destas coisas, semelhanças da realidade conhecida. Pelo fato de a “species” inteligível, que é a forma da inteligência e o princípio de seu ato, ser a semelhança da coisa exterior, por isso mesmo a inteligência forma uma “intenção” semelhante a esta coisa; tal, com efeito, uma coisa, tal sua operação. Pelo fato enfim de a “intenção” apreendida ser semelhante a uma certa coisa, segue-se que a inteligência, formando uma tal intenção, capta esta própria coisa”. (Gardeil)