As especulações metafísicas sobre a unidade possuem uma dupla origem. De um lado, remontam a Parmênides e à percepção aguda que ele teve da unidade do ser: o ser é e é uno; nada de diversidade ou de mudança possível no ser. De outro lado, ligam-se às ideias pitagóricas sobre a função do número na constituição das realidades materiais, e principalmente sobre a função da unidade numérica princípio do número. A filosofia de Platão encontrou-se dividida entre estas duas influências; e é na linha destas especulações que Aristóteles elaborou sua teoria do transcendental uno. O esfôrço de Aristóteles visou sobretudo a melhor assegurar a distinção dos dois tipos de unidade, precedentemente, postos em evidência, unidade numérica e unidade transcendental, e a ligar esta última ao ser, do qual não é mais do que uma propriedade, no sentido em que o definimos. Todas as elucubrações desencontradas dos platônico-pitagóricos sobre o número como essência das coisas viam-se, com isto, eliminadas e a anterioridade do ser com relação ao uno encontrava-se, assim, solidamente estabelecida.
De maneira consciente, Tomás de Aquino, paralelamente, apoiou sua doutrina sobre a rejeição desta confusão inicial entre os dois grandes tipos de unidade (De Pot., q. 9, a. 7): “Alguns filósofos não distinguiram entre o uno que é convertível com o ser e o uno que é princípio do número e admitiram que nem uma nem outra unidade nada acrescentavam à essência. Aos seus olhos, o uno, em qualquer sentido que fosse entendido, significava a essência da coisa. Seguia-se que o número que é composto de unidades era a essência de todas as coisas. Tal é a opinião de Pitágoras e de Platão. Outros, pelo contrário, não distinguindo a unidade que é convertível com o ser da unidade princípio do número, pensaram que o uno, entendido de uma ou de outra maneira, acrescentava algum ser acidental à essência. Segue-se que toda multiplicidade é um acidente pertencendo ao gênero quantidade. Tal foi a posição de Avicena e parece que todos os antigos doutores a adotaram. Pois por uno e múltiplo entendiam sempre algo que é do gênero da quantidade discreta… Estas opiniões supõem, portanto, que sejam idênticos o uno que é convertível com o ser e o uno que é princípio do número, e por outro lado, que apenas exista a multiplicidade que é o número, o qual, por sua vez, é uma espécie de quantidade. Ora, isto é manifestamente falso.” A razão desse erro e da confusão que está no seu princípio decorre de que não se discerniu a verdadeira natureza da unidade metafísica, que consiste na ausência de divisão, e de que não se observou que existia um tipo de divisão que ultrapassa o gênero quantidade, à qual corresponde um tipo de unidade que transcende este gênero. (Gardeil)