Formação da teoria.
Como para o vero, Tomás de Aquino se encontra diante de uma dupla tradição: a tradição platônica, continuada pelos agostinianos, segundo a qual o bem se apresenta globalmente como um princípio transcendente e separado, doutrina que culmina de modo natural na afirmação da anterioridade e, portanto, da preeminência do bem sobre o ser; e a tradição mais realista do aristotelismo que, considerando o bem de maneira mais experimental, dele faz uma perfeição implicada nas coisas. Aqui ainda é a uma obra de síntese, mais exatamente a uma assimilação pelo peripatetismo da tese oposta, que Tomás de Aquino vai-nos fazer assistir.
A natureza do bem.
Retomando a doutrina expressa no texto célebre do início da Ética a Nicômaco, Tomás de Aquino define fundamentalmente o bem por sua relação com o apetite: o bem é aquilo para o qual tendem todas as coisas: quod omnia appetunt. Assim como o vero se definia por uma relação da inteligência como o ser, o bem se define por uma relação do ser com o apetite, fórmulas que não fazem mais do que sintetizar os dados da experiência universal e comum. Mas enquanto o verdadeiro se encontrava principalmente na potência de conhecer, o bem se encontra inicialmente na coisa: o bem é a coisa mesma, na medida em que a coisa funda a propriedade da apetibilidade.
Que todo ser tenha razão de bem, ou que o bem seja um transcendental, Tomás de Aquino o manifesta pelo seguinte raciocínio: o bem é o que todas as coisas desejam; ora, deseja-se uma coisa na medida em que ela é perfeita; ora, ela é perfeita na medida em que está em ato; ela está em ato na medida em que é ser: portanto, é manifesto que bem e ser são realmente idênticos, mas o bem implica a razão de apetibilidade, que o ser não exprime.
“Bonum est quod omnia appetunt: manifestum est autem quod unumquodque est appetibile secundum quod est perfectum… in tantum autem est perfectum unumquodque, in quantum est in actu: unde manifestum est quod in tantum est aliquid bonum in quantum est ens, esse enim est actualitas omnis rei… Unde manifestum est quod bonum et ens sunt idem secundum rem: sed bonum dicit rationem appetibilis quod non dicit ens”.
Ia Pa, q. 5, a.1
Ato, perfeição, bem: três termos de significação bastante vizinha, que se solicitam um ao outro e cuja conveniência profunda assegura a convertibilidade do ser e do bem.
Bem e causa final.
Cf. Ia Pa, q. 5, a. 4. Uma outra aproximação se impõe, a das noções de bem e de causa final: é manifesto, com efeito, que o que cada coisa pode desejar a título de causa final não pode ser para ela senão um bem; e, inversamente, todo bem pode ter razão de causa final “Cum bonum sit quod omnia appetunt, hoc autem habet rationem finis, manifestum est quod bonum rationem f inis importat”. Há aqui evidências imediatas para qualquer um que tenha tomado consciência do sentido destes termos; a ordem do bem e a da finalidade coincidem perfeitamente.
Deve-se observar que a causalidade final implica uma causalidade eficiente e, no princípio desta, uma causalidade formal; entretanto, de modo próprio, o bem age apenas como causa final, ou suscitando o desejo dela. Todo esse aspecto irradiante do bem, que se encontra expresso neste famoso adágio que o bem é difusivo de si mesmo, bonum est diffusivum sui, não deverá, portanto, ser compreendido como uma espécie de atividade eficiente ou de irradiação propriamente dita. A causa final, o bem, como tais, se comportam como motores imóveis, enquanto determinam somente o movimento de apetição.
As modalidades do bem.
O bem, sendo convertível com o ser, é como este uma noção analógica de múltiplas significações: há um bem correspondente a cada ser particular. Retomando uma fórmula de Santo Ambrósio, a tradição reteve sobretudo a grande divisão em bem honesto, útil ou deleitável. Se a compreendermos de maneira correta, esta divisão aparecerá como exaustiva. Consideremos, com efeito, um apetite em tendência para o bem. O que é desejado pode ser, seja um meio ordenado a um fim ulterior, seja o próprio fim. No primeiro caso, o bem desejado, a título de meio, é o bonum utile. No segundo caso, dois pontos de vista podem ainda ser considerados: ou o bem de que se trata é o próprio termo objetivo do movimento apetitivo e se tem o bonum honestum (deve-se notar a significação especial aqui do termo honestum; o bem honesto é o bem como simples termo do desejo, e nada mais); ou o bem considerado designa a posse subjetiva deste último, o quies in re desiderata, e se tem o bonum delectabile (não há evidentemente deleite no sentido próprio da palavra senão para os seres dotados de afetividade). É claro que o primeiro destes três bens é o bem honesto, ao qual os outros se reportam a título de meio de complemento.
O mal enquanto oposto ao bem.
O problema do mal possui aspectos múltiplos e diversos. Também não se trata aqui senão de indicar qual posição de princípio adotou Tomás de Aquino a partir de sua concepção do bem. A significação de um termo é de modo corrente tornada manifesta através da significação de seu oposto: assim as trevas são tornadas manifestas pela luz. Ora, sabemos que todo ser tem a ideia de bem. O mal, que é o oposto ao bem, não pode pois designar positivamente o ser: somente pode corresponder a uma certa ausência de ser:
“Non potest esse quod malum significet quoddam esse, seu quamdam formam, seu naturam. Relinquitur ergo, quod nomine mali significatur quemdam absentiam boni”.
Ia Pa, p. 48, a. 2
Mas é importante precisar que não é toda e qualquer negação de ser que tem a determinação do mal: somente tem este direito a negação ou, mais exatamente, a privação de uma modalidade de ser que deveria se encontrar em um sujeito. Em consequência, não poderá haver mal absoluto; supondo-se, com efeito, um certo sujeito, todo mal repousa sobre algo de positivo que não pode ser senão algo de bom. Enfim, o mal jamais pode ser desejado por si mesmo; um apetite somente pode se referir a um bem. Se, portanto, um apetite parece relacionado a algum mal, isto não é mais do que uma aparência; ele se refere em realidade a um bem que lhe é conexo. Só, em definitivo, o bem pode ser desejável: solum bonum habet rationem appetibilis. (Gardeil)