teoria da analogia

O emprego da analogia é constante, tanto no pensamento vulgar como nas especulações das ciências. São ditas análogas as realidades que apresentam entre si algumas similitudes. Mas nem toda similitude é suficiente para fundar uma verdadeira analogia filosófica; assim, importa antes de tudo explicitar e precisar o sentido desta. No aristotelismo, a doutrina da analogia vai-nos aparecer de início como uma teoria da lógica geral que restará apenas aplicar ao caso notável do ser.

– Noção de analogia.

De maneira habitual, Tomás de Aquino apresenta a analogia como um modo de atribuição lógica, intermediário entre a atribuição unívoca e a atribuição equívoca. O termo unívoco se reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significação; o termo ou o nome equívoco convém às coisas às quais é atribuído segundo significações inteiramente diversas; o termo análogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significação parcialmente’ diferente e parcialmente semelhante.

“As atribuições analógicas nos aparecem manifestamente como intermediárias entre as atribuições unívocas e as atribuições equívocas. No caso da univocidade, com efeito, um mesmo nome é atribuído a diversos sujeitos segundo uma razão ou uma significação semelhante, assim o termo animal, reportado ao cavalo e ao boi significa substância animada sensível. No caso da equivocidade, um mesmo nome vê-se atribuído a diversos sujeitos segundo uma razão totalmente diferente, como aparece evidentemente para o nome cão, atribuído ao astro e a uma certa espécie animal. No que concerne às noções ditas analogicamente, um mesmo nome é atribuído a diversos sujeitos segundo uma razão parcialmente a mesma e parcialmente diferente: diferente pelos diversos modos de relação: a mesma por aquilo a que se reporta a relação… In his vero quae proedicto modo dicuntur, idem nomen de diversis praedicatur secundum rationem partim eamdem, partim diversam. Diversam quidem quantum ad diversos modos relationis. Eamdem vero quantum ad id ad quo fit relatio”. Metaph., XI, l. 3, n. 2197

Que elementos vêm, pois, integrar exatamente esta noção de analogia, que um primeiro discernimento nos levou a situar entre a univocidade do universal lógico e a equivocidade das denominações puramente convencionais? Segundo sua significação primitiva, a analogia designa uma relação, uma conveniência, uma proporção: toda denominação analógica se refere portanto a uma relação ou a relações entre certos seres Esta comunidade da analogia pode ser considerada, seja do lado das realidades, que são referidas umas às outras, isto é, aos analogados, seja do lado do conceito no qual o espírito se esforça por unificar a diversidade que tem assim diante dos olhos. Acrescentemos que a analogia implica sempre uma certa ordem, e esta supõe um princípio unificador. Para que haja analogia verdadeira é preciso, pois, que haja uma pluralidade de realidades referidas umas às outras, segundo uma certa ordem, e que o espírito se esforce para unificá-las em um só conceito.

Divisão da analogia.

Tomás de Aquino, em um texto a que se faz alusão frequentemente (I Sent., d. 19, q. 5, a. 2, ad 1), e Caietano, no seu De nominum analogia, propuseram uma divisão tripartida da analogia; mas como a analogia secundum esse et non secundum intentionem do primeiro, e a analogia inaequalitas do segundo correspondem, na realidade, a um conceito unívoco (diversamente participado somente), está-se de acordo para reter somente dois grandes tipos de analogia: a analogia de atribuição (dita, em Tomás de Aquino, de proporção) e analogia de proporcionalidade.

A analogia de atribuição. É a que encontramos de modo mais explícito em Aristóteles e que ele próprio aplicou ao caso notável do ser, objeto da metafísica. Neste tipo de analogia, a unidade se dá quando se reporta os diversos analogados considerados em relação a um mesmo termo. Retomando o exemplo clássico, diremos que neste sentido, esta urina é sã, este alimento é são, esta medicina é sã, porque estas diversas coisas têm relação de sinal ou de causa relativamente à saúde, a qual só se encontra evidentemente de modo próprio no animal.

Precisemos que na analogia de atribuição, há sempre um analogado principal, que é o único a possuir intrinsecamente a “razão” significada pelo termo considerado. Os outros analogados são qualificados segundo esta “razão” somente por uma simples denominação; a saúde, no exemplo citado, só existe formalmente e como tal no animal. Em consequência, diremos em primeiro lugar que a forma considerada é una, de uma unidade numérica, encontrando-se apenas em um só analogado; em segundo lugar, que esta forma deve figurar na definição dos outros analogados; enfim que estes analogados derivados não podem ser representados por um só conceito, mas somente por uma pluralidade de conceitos, implicando-se de uma certa maneira uns aos outros. Convém acrescentar que entre os analogados deste tipo há uma certa ordem de gradação, segundo estejam em uma proximidade maior ou menor do analogado.

A analogia de proporcionalidade. Neste caso, a unidade dos analogados não se dá mais devido às relações que teriam relativamente a um termo único, primeiro analogado, mas devido às suas proporções mútuas. Dir-se-á, por exemplo, que há uma analogia, do ponto de vista atividade de conhecimento, entre a visão e a intelecção, porque a visão está para o olho assim como a intelecção está para a alma, o que se figurará com o próprio Tomás de Aquino, sob forma de proporção:

visão/olho = intelecção/alma

não esquecendo contudo que o simbolismo matemático não deve ser tomado aqui num sentido rigoroso, as duas relações em presença não estando ligadas por uma igualdade pura.

O que distingue profundamente este tipo de analogia do precedente é que a “razão” significada pelo termo se encontra intrinsecamente ou formalmente em cada um dos analogados. Não há, pois, neste caso, um primeiro analogado que seria o único a possuir esta “razão”. O fundamento ontológico desta analogia não é mais simplesmente uma relação extrínseca, mas uma comunidade profunda entre os diferentes termos: visão e intelecção são verdadeiramente, uma e outra, atos de conhecimento. Segue-se daí que, nesta analogia, um dos termos não se encontra implicado necessariamente na definição dos outros termos e que todos os termos podem de uma certa maneira, ser representados por um conceito único, conceito imperfeitamente unificado contudo, e do qual precisaremos as condições especiais mais adiante.

Tomás de Aquino, em um texto sobre o qual costuma-se apoiar para estabelecer esta doutrina, subdivide a analogia de proporcionalidade em analogia metafórica e em analogia própria (De Veritate, q. 11, a. 2). Na analogia própria, que é aquela que definimos, a “razão” significada pelo termo se encontra formalmente e verdadeiramente em cada um dos analogados. Na analogia metafórica, nós a encontramos propriamente só em um dos dois, os outros só a compreendem a modo de similitude; assim, o riso, que convém propriamente ao homem, só é atribuído à campina por similitude. Esta última forma de pensamento tem um emprego contínuo e a própria teologia faz dele uso frequente; entretanto, devido à sua impropriedade, tal analogia não deve ser mantida em metafísica.

– Unidade e abstração do conceito analógico.

Este ponto é extremamente importante, pois o conceito analógico está numa situação bastante especial. A questão que se coloca é a seguinte: como um conceito pode conseguir unificar uma diversidade sem excluir, com efeito, esta própria diversidade? Notemos desde já que esta questão não se coloca no que diz respeito à analogia metafórica e à analogia de atribuição; nestes casos, não há um conceito único que envolveria todos os analogados, mas sim um conceito principal unívoco, que corresponde ao analogado principal, e, para os analogados derivados, conceitos especiais em relação, entretanto, com o conceito principal. A saúde, para voltar ao nosso exemplo, é atribuída propriamente e univocamente ao animal, o alimento são, a medicina sã, etc… correspondem a conceitos distintos referidos ao conceito do primeiro analogado.

Na analogia de proporcionalidade, que é a forma fundamental da analogia metafísica, a razão exprimida pelo termo analógico estando intrinsecamente compreendida em cada um dos analogados, pode-se, pelo contrário, falar de um conceito analógico único: a substância, a quantidade, a qualidade, a relação, etc . . . são formalmente ser e se encontram portanto todas compreendidas na unidade da noção de ser. Mas como um conceito pode guardar uma verdadeira unidade, se deve ao mesmo tempo exprimir uma diversidade?

Se se trata de um conceito unívoco, de uma noção genérica, por exemplo, a unidade de significação é manifesta: os termos ser vivo, animal, têm um conteúdo preciso e determinado e a passagem aos termos inferiores, às espécies, se faz pela intervenção de diferenças específicas exteriores ao gênero e que estavam neste somente em potência. O conceito unívoco é formalmente uno, e divisível em potência. No caso do conceito analógico, unidade e diversidade se realizam de modo diferente. Os termos sujeitos, os analogados, não podem ser excluídos do conceito, encontram-se pois aí representados, mas de modo implícito somente e dentro de uma certa confusão, como todos os homens de uma multidão que considero são bem compreendidos na visão que tenho desta multidão, sem que me detenha a olhar algum deles em particular. A unidade de um tal conceito não será aquela de uma forma abstrata, mas uma unidade proporcional, fundada sobre a conveniência real que os analogados mantêm entre si. O conceito analógico é um conceito uno, de uma unidade proporcional, envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos seus analogados. Deste conceito único e confuso passamos ao conhecimento distinto de cada analogado, tornando .explícito o modo que lhe corresponde; temos então um conhecimento preciso, mas é bem evidente que passamos do conceito analógico geral para o conceito particular de um analogado, da noção de ser, por exemplo, à de substância ou de relação.

Esta análise do conceito analógico deixa-nos já entrever que a metafísica, cujas noções primeiras são deste tipo, terá um estatuto científico e um método de fato especiais.

Ordem e princípio na analogia.

Deixamos até aqui na sombra um aspecto da analogia sobre o qual o acordo dos principais comentadores de Tomás de Aquino não é perfeitamente realizado. A analogia de atribuição, nós o vimos, somente tem significação se se refere aos analogados secundários a um analogado principal que se encontra necessariamente compreendido na definição destes termos secundários; ela implica pois, na sua natureza mesma, uma ordenação a um princípio concreto. Alguns, no rastro de Silvestre de Ferrara, se perguntam se esta propriedade não deve ser estendida à analogia de proporcionalidade. Encontram-se notadamente encorajados a marchar nesta via, ao considerarem que Tomás de Aquino parece falar equivalentemente de atribuição analógica e de atribuição graduada per prius e per posterius. Em toda analogia, portanto, existe uma ordem entre os analogados o que supõe evidentemente que existe um princípio de ordem, o qual só pode ser um primeiro analogado concretamente determinado.

É difícil negar que, mesmo na analogia de proporcionalidade, há uma graduação e, portanto, um certo princípio de ordem. Mas pode-se perguntar se este princípio é numérica e concretamente uno e, portanto, se há neste caso um verdadeiro primeiro analogado, ou se se trata somente de um princípio proporcionalmente uno, obtido pelo relacionamento dos analogados em questão. Para tomar o exemplo maior do ser (análogo, como o veremos, de uma analogia de proporcionalidade), deve-se dizer que a analogia do ser pode ou não pode se encontrar realizada sem referência explícita ao ser primeiro? Isto é, não abandonando a ordem das suas modalidades participadas?

Deve-se responder que é possível formar uma certa noção analógica, sem se reportar a um primeiro analogado; ter, em particular, uma noção analógica do ser que não implique relação explícita ao ser por si. Mas é evidente que a estrutura mais profunda da ordem considerada não se manifesta senão na medida em que a unidade da noção venha se fundar sobre a de um primeiro termo real: a metafísica do ser só está acabada no momento em que o ser criado nos aparece na sua dependência essencial em relação ao ser que se basta a si mesmo.

Observar-se-á, contudo, que no caso em questão (o do ser), os seguidores das duas opiniões se encontram para afirmar um primeiro analogado; mas uns pretendem atingi-lo pelos únicos meios da analogia de proporcionalidade, enquanto outros requerem para este fim o concurso da analogia de atribuição.

Conviria ainda precisar que este primeiro analogado, que é o princípio de ordem na analogia de atribuição, pode-se encontrar segundo as diversas linhas de causalidade. Tomás de Aquino enumera habitualmente a este propósito as causalidades materiais, eficientes, e finais, às quais acrescenta, algumas vezes, a causalidade exemplar. Não se ficará, portanto, surpreendido de constatar que, para as mesmas noções, pode-se tratar de várias ordens e, portanto, de vários princípios de analogia. É notadamente o que terá lugar com o ser. Na linha da causalidade material ou subjetiva, as modalidades do ser se ordenarão com relação à substância, sujeito primeiro e absoluto: é o ponto de vista de Aristóteles na Metafísica. Na ordem da causalidade extrínseca, nos é necessário, para reencontrar o primeiro analogado, remontar até Deus, causa transcendente de todo ser criado. Tomás de Aquino, ordinariamente, se situa nesta perspectiva que, em definitivo, domina a precedente, o ser não sendo mais aqui considerado como sujeito, mas como esse, isto é, segundo sua atualidade última. (Gardeil)