Teologia Moderna

Aos homens já registrados dentro do pensamento católico atual — teólogos, filósofos, literatos, sociólogos etc. — acrescentamos um marco histórico de referência sobre cujo fundo possam ser melhor interpretados. Resumidamente, apresentamos o panorama atual da teologia desde o século XIX até nossos dias.

O séc. XIX passou à historia da teologia católica como o “século da apologética”. A maioria das obras importantes da época apresentam-se como defensoras do cristianismo e da . Ao mesmo tempo, revelam a situação da teologia tradicional, combatida em diferentes frentes, especialmente pela filosofia, historia, ciência e inclusive pela moral. Tratava-se de uma confrontação, polêmica e em todos os níveis, do catolicismo imperante ainda no Ocidente com o espírito e conquistas da modernidade. Por sua seriedade, merece citar-se a obra de autores como Hermes e Moehler na Alemanha, Laforet e Dechamps na França, Taparelli e Liberatore na Itália, Balmes e Ceferino González na Espanha e Newman na Inglaterra. Junto deles, muitos outros no campo da pesquisa científica e histórica.

Foi Leão XIII quem iniciou a grande decolada da renovação eclesiástica produzida ao longo do século XX. Sua encíclica Aeterni Patris marcou um hiato decisivo no desenvolvimento da pesquisa teológica. O mesmo podemos dizer da Providentissimus Deus sobre os estudos bíblicos. O séc. XX desperta com ares de renovação, que se irão plasmando ao longo do século.

1. O primeiro problema que teve de enfrentar a teologia do séc. XX foi o modernismo. Questões como a formação do cristianismo, a natureza dos escritos bíblicos, a historicidade das doutrinas e os próprios conceitos de inspiração, inerrancia e inclusive revelação começam a ser considerados desde outras perspectivas. Entre os promotores das novas correntes, destacaram-se: A. Loisy (1857-1940) na França, E. Buonaiutti (1881-1946) na Itália e G. Tyrrell (1861-1909) na Inglaterra. As taxativas condenações de Pio X no decreto Lamentabili e na encíclica Pascendi colocaram um freio e um parêntese no desenvolvimento teológico do catolicismo.

2. O ressurgir dos estudos teológicos promovidos por Leão XIII materializou-se em diversas formas. Retrospectivamente pode-se afirmar que a maior influência nos rumos da teologia posterior correspondeu aos avanços na pesquisa históri-co-crítica e na exegese bíblica. Ao contrário, a principal conquista em sua época foi o auge que experimentou a teologia escolástica, e especialmente o tomismo, conhecido mais comumente por neo-escolástica e neotomismo.

a) Neo-escolástica e neotomismo. Sem entrar no que diferencia essas duas correntes de filosofia e de teologia católicas, é evidente o auge delas nos centros e nas universidades católicas desde princípios do séc. XX até a 2a Guerra Mundial. Os centros mais importantes dessas corren-tes são a Universidade Católica de Lovaina e as Universidades Pontifícias Romanas Gregoriana e Angelicum. A esses centros de pensamento deve-se acrescentar o Studium Genérale dos dominicanos de Le Saulchoir (França) e dos jesuítas de Fourvier (França). Dessa corrente citamos o jesuíta L. Billot (1846-1931), cuja interpretação do tomismo criou escola; o cardeal D. Mercier (1851-1926), o grande restaurador da neo-escolástica com sede em Lovaina. Sem esquecer a equipe de teólogos dominicanos: A. Gardeil, A-D. Sertillanges, G. Thery, R. Vaux, M. D. Roland-Gosslin, R. Garrigou-Lagrange, Dubarle, Y. M. Congar, M. Chenu e outros. A esse grupo de dominicanos uniram-se outros jesuítas como Pesch, Lerger, H. de Lubac, J. Daniélou, junto aos mais recentes da “teologia querigmática” e da “teologia nova”, de que falaremos depois.

Um papel de primeira ordem na sobrevivencia da escolástica e do tomismo foi o das revistas especializadas. Merecem ser citadas a “Revue Thomiste”, a “Revue des Sciences Philosophiques etThéologiques” (1907), a “Gregorianum” (1920) e outras.

b) Estudos históricos. O surgimento de estudos histórico-críticos que beiram os primeiros decênios do século XX contribuiu de modo mais eficaz para prestigiar a teologia católica. O contato com as fontes patrísticas, o melhor conhecimento do marco histórico em que surgiram e se desenvolveram as diferentes doutrinas, a crítica textual e a depuração dos testemunhos tradicionais foram as principais conquistas da pesquisa católica. Fruto desse trabalho é a aparição da “Revue d’Histoire Ecclésiastique” (1900). Em 1903 iniciou-se o Dictionnaire de Théologie Catholique, ao que segue poucos anos depois o Dictionnaire d’Archéologie Chrétienne et de Liturgie e o Dictionnaire d’Histoire et de Géographie Ecclésiastique. Seguindo a tradição iniciada por Migne nos meados do século passado, com a publicação da Patrologia Graeca e Latina (PG, PL), aparecem agora o Corpus Scriptorum Christianorum Orientalium, os Texts et documents pour l’étude historique du christianisme e a Bibliothèque de Théologie Historique, além de outras coleções de documentos e textos caros ao grande público.

Dentro destes estudos de história merece uma atenção especial o trabalho dedicado aos estudos patrísticos e à Idade Média, suas fontes e suas doutrinas. Por trás de cada uma destas tarefas há nomes importantes que não se devem esquecer, como B. Altaner (1858-1958), A. d’Alés (18511938), F. Ehrle (1934), M. Grabmann (18751949), H. de Lubac (1896-1991), J. Lebreton (1873-1956), E. Gilson (1884-1965) e outros.

c) Mais espinhoso e delicado foi o trabalho realizado no campo da exegese bíblica. Os problemas exegéticos, textuais, históricos e literários da Bíblia se haviam tornado iniludíveis devido aos progressos da pesquisa e das ciências naturais, aos avanços da crítica textual e filológica, aos surpreendentes encontros arqueológicos no Oriente e à necessidade de responder criticamente às tendências liberais da exegese protestante. Tudo isso abrira interrogações em torno da historicidade dos primeiros capítulos do Gênesis, da autenticidade mosaica do Pentateuco e da própria exatidão neotestamentária sobre a figura de Jesus. E de quebra, afetava também as doutrinas arraigadas na teologia católica.

A renovação dos estudos bíblicos dentro da Igreja Católica está vinculada ao Papa Leão XIII, que propôs as pautas da renovação em sua encíclica Providentissimus Deus. Mas a figura que dominou a exegese católica de todo esse período é a do dominicano francês M. J. Lagrange (18551938), fundador em 1890 da Escola Bíblica de Jerusalém, que dirigiu até sua morte, e fundador igualmente da “Revue Biblique”. Lagrange deixou uma obra ampla e variada, acusada na época de conivências modernistas, mas que chega até nossos dias com os trabalhos da equipe de professores e de pesquisadores da Escola de Jerusalém.

Os estudos bíblicos continuaram renovándose com instituições tão prestigiosas quanto o Instituto Bíblico de Roma, com biblistas tão responsáveis como A. Wikenhauser, R. Schnackenburg, L. Cerfaux, P. Benoit, F. M. Braun, A. Bea, C. Spicq, H. Schlier, E. Peterson. E ultimamente, até nossos dias, com os novos nomes de N. Lohfink, X. León-Dufour, J. Mateos e L. A. Schökel.

3. Nos anos anteriores à 2a Guerra Mundial houve diversas tentativas de renovação teológica, que se ligarão, anos mais tarde, com o Concílio Vaticano II. Referimo-nos de forma especial à chamadateologia querigmática” e à “teologia nova”.

Desde a faculdade teológica de Innsbruck (Alemanha), um grupo de jesuítas, entre os quais se destacaram J. A. Jungmann, F. Lakner, H. Rahner, J. B. Lotz e outros, constataram com crescente desgosto que a teologia já não preparava para a pregação. Surgiu a chamadateologia querigmática”, preparada pelo aspecto salvífico e direto para a vida. Esse movimento querigmático cristalizou-se em obras como a Dogmática de M. Schmaus, e a Initiation théologique dos dominicanos de Le Saulchoir.

Nos mesmos anos surgiu na França um movimento paralelo de renovação da teologia, que recebe o nome de “teologia nova” (1942). A partir desta data até os anos 50, fala-se de “erros que ameaçam arruinar os fundamentos da fé”. No centro das polêmicas em torno da “teologia nova” encontravam-se homens que depois haveriam de ter uma parte muito importante e decisiva nos documentos do Vaticano II. Citamos os nomes de H. Bouillard, D. M. Chenu, Y. de Montcheuil, H. de Lubac, Y. M. Congar e J. Daniélou. A nova tecnologia vem caracterizada por três pontos: a) Um modo de fazer teologia menos especulativo e mais histórico. Percorre-se toda a história da Igreja e da teologia, especialmente a patrística e medieval, com a tentativa de chegar até as origens evangélicas, b) A Igreja é o ponto de estudo preferido: revê-se o próprio conceito de Igreja, sua natureza e função. Descobre-se o aspecto de Igreja como “Corpo Místico”, “Povo de Deus” (Congar; Lubac). c) Preocupação pela abertura da Igreja ao mundo e por questões em torno da vida de numa sociedade descristianizada (K. Rahner).

4. Os anos que precederam o Concílio Vaticano II estão marcados por uma consolidação das correntes renovadoras anteriores e pela aparição de novos núcleos de reflexão teológica. O clima teológico foi dominado pelo desejo de uma compreensão cristã do mundo. Apareceram diversas tentativas de teologia das “realidades terrestres”, e a expressão “sinais dos tempos” começa a participar da linguagem teológica. A teologia católica abre-se ao diálogo com o ateísmo e acentua-se a influência dos pensadores protestantes (Bultmann, Tillich, Bonhoeffer) de modo surpreendente. A teologia dogmática, com raízes mais bíblicas e pastorais, conheceu uma floração de autores que tiveram um papel decisivo na preparação do Concílio e nas discussões posteriores até nossos dias. Além dos já mencionados, como K. Rahner, é justo mencionar aqui E. Schillebeeckx, P. Schoonenberg, J. Ratzinger, J. Alfaro, H. U. von Balthasar, sem esquecer homens que se incorporam desde a história e a crítica teológica como H. Küng, desde a teologia moral como Hâring, a teologia política como J. B. Metz ou desde a Teologia da Libertação.

BIBLIOGRAFIA: Y. Congar, Situação e tarefas da teologia hoje; H. Vorgrimler-H. Van der Gucht, La teología en el siglo XX. Ed. Católica, Madrid 1973, 3 vols.; R. Winling, La teología del siglo XX. La teologia contemporánea. Sigúeme, Salamanca 1987; J. L. Segundo, Teologia abierta. Cristiandad, Madrid 1983-1984, 3 vols. (Santidrián)