Newman, John Henry (1801-1890)
J. H. Newman foi educado na “religião da Bíblia”, que ele mesmo qualifica como o “título reconhecido e a melhor definição da religião inglesa”, que consistia “não em ritos nem dogmas, mas principalmente em ler a Bíblia na Igreja, em família e em particular”. Essa influência do “evangelismo” no lar permitiu-lhe memorizar totalmente a Bíblia. As incidências de sua infância e suas primeiras experiências religiosas serão melhor apresentadas ao leitor em sua Apologia pro vita sua (1864). Por outro lado, toda a produção literária de Newman tem um selo pessoal inconfundível. Cada obra faz parte de sua vida e responde às exigências e problemas que esta expõe ou suscita.
Newman esteve vinculado a Oxford, onde foi “fellow” do Oriel College, e mais tarde (1828) vigário de Santa Maria, para terminar aderindo ao “movimento de Oxford” e ser seu líder e cabeça. É autor de 24 dos Tracts for the times dirigidos contra o “papismo e o dissenso”. Neles defendia sua tese da “via média”, isto é, a crença de que a Igreja da Inglaterra mantinha uma posição intermediária, representada pela posição patrística, frente ao moderno catolicismo romano por um lado e ao protestantismo moderno por outro. No Tract 90 advogava por uma interpretação dos 39 Artigos do anglicanismo num sentido muito próximo aos decretos do Concílio de Trento. Apesar do silêncio imposto sobre esse tema pelas autoridades, começou em 1839 a ter dúvidas sobre as reclamações da Igreja da Inglaterra. Em 1842, deixou Oxford pelo retiro quase monástico da aldeia de Littlemore. Em 1843 renunciou ao vicariato de Santa Maria e, dois anos depois, 1845, passou a fazer parte da Igreja de Roma. A conversão de Newman ao catolicismo foi precedida de um intenso labor de prédica e de estudo. Assim foram surgindo suas obras Conferências sobre a Junção profética da Igreja (1837), em que desenvolve o tema clássico da doutrina sobre a autoridade na Igreja; os Sermões da universidade (1843), clássicos também por sua teoria da crença ou fé religiosa; e seus Simples sermões paroquiais (1834-1842), que coletam todas as incidências do movimento de Oxford. Finalmente, no último ano como anglicano, escreveu o Ensaio sobre a evolução da doutrina cristã, que publicou semanas depois de sua conversão ao catolicismo, no dia 9 de outubro de 1845.
Depois de sua conversão, a atividade de Newman teve várias frentes. Os primeiros passos estiveram direcionados para a fundação do Oratório que, depois de várias dúvidas, estabeleceu em Birmingham. Com alguns membros do movimento de Oxford, também convertidos, formou uma comunidade de estudo e oração (1848). A conversão ao catolicismo obrigou Newman a olhar para a postura hostil de muitos católicos ingleses que desconfiavam dele por suas ideias liberais, segundo eles, e a da Igreja da Inglaterra que o atacava. Frente aos dois ele lutou sem convencer, de momento, a nenhum. Do lado católico estava Manning, tractariano também como ele e depois arcebispo de Westminster. Manning representou o “velho catolicismo inglês”, que via com receio tudo o que dizia ou fazia Newman. Inclusive foi tachado de herege diante de Roma por um de seus artigos no “Rambler” sobre a necessidade de consultar os seculares em matéria de fé. A mesma suspeita recaiu sobre suas tentativas de formar a universidade católica de Dublin, cujo único resultado foram as conferências que deu e que apareceram com o título de Proposta de uma universidade (1852). Nelas aponta o ideal do “intelectual católico” aberto à modernidade. Estas e outras frustrações — como a do processo do ex-dominicano Achilli (1852-1853) — somaram-se aos ataques de Ch. Kingsley sobre o seu ensino moral. Este, de fato, desafiou Newman a justificar a honestidade de sua vida como anglicano. O resultado foi a história de suas opiniões religiosas ou Apologia pro vita sua (1864). O impacto que a leitura de sua Apologia produziu nos leitores, tanto anglicanos quanto católicos, convenceu-os de sua integridade. Voltaram a reconhecê-lo como o que sempre havia sido: o inglês autêntico e cristão sincero, livre em suas convicções. Sua vida continuou sempre envolvida em debates. Em 1870 expressou sua oposição à definição da infalibilidade do papa, apesar de estar convencido desta verdade. Era questão de oportunidade diante das demais Igrejas. E nesse mesmo ano publicou A gramática do assentimento, sem dúvida a obra de maior empenho filosófico. O objetivo do livro é duplo, segundo o próprio Newman: “Na primeira parte demonstra que podes crer no que não podes compreender. Na segunda, que podes crer no que não podes comprovar falando absolutamente”. Em 1879, Leão XIII o fez cardeal. Morreu em 1890, em Birmingham, e está sepultado em Rendai, a casa de descanso do Oratório. Pediu que em sua lápide esculpissem as palavras: “Ex umbris et imaginibus ad veritatem”, “Das sombras e imagens até a verdade”.
— A figura de Newman ultrapassa qualquer esquema. Seus retratos mostram um rosto de sensibilidade e delicadeza estética: poeta, novelista, escritor, filósofo e teólogo, cheio de força e sagacidade. Talvez o seu defeito intelectual fosse a sua exagerada sutileza; deleitava-se no preciosismo do raciocínio, acabando preso nas armadilhas de de sua própria ingenuidade. Tinha o costume de reduzir sua argumentação ao absurdo. Era consciente, não obstante, da limitação da linguagem e da necessidade da parábola e da analogia.
— Sua natureza sensível o fez especialmente dotado para a amizade e o respeito às ideias e sentimentos alheios. Fez da amizade uma de suas tarefas pastorais. Assim o demonstram as vinte mil cartas que se conservam das muitas que escreveu. A própria Apologia é um canto à amizade com aqueles que foram seus companheiros.
— A obra que nos deixou — grande parte da qual foi recompilada por ele mesmo entre 18681881 — pode ser classificada nos seguintes blocos: a) Sermões; b) Tratados; c) Obras teológicas; d) Obras polêmicas; e) Obras literárias; f) Obras póstumas; g) Correspondência. Ao todo, 31 volumes da edição iniciada pelo P. Dessain, em 1981.
Encerramos essas linhas com duas notas que explicam o significado de Newman para anglicanos e para católicos. Tiramos da nota necrológica do “Guardian”, do dia 13 de agosto de 1890, dois dias depois de sua morte: “O cardeal Newman morreu. Com ele perdemos não apenas um dos maiores mestres de estilo da língua inglesa, um homem de singular pureza e beleza de caráter, um exemplo eminente de santidade pessoal, mas perdemos principalmente o fundador da Igreja Anglicana, tal como a vemos hoje. Dificilmente podemos adivinhar o que teria sido a Igreja Anglicana sem o movimento tractariano, e Newman foi a alma viva e o gênio inspirador do movimento tractariano…”.
“Desde que se escreveram essas palavras — escreve Dessain — , a influência de Newman se expandiu e penetrou por todos lados na Igreja Católica. Isto se tornou mais evidente desde a nova abertura iniciada pelo Papa João XXIII e continuada no Concílio Vaticano II, que inclusive foi aclamado como o ‘Concílio de Newman’. Como o Papa João, gostava de insistir no antigo provérbio: “In necessariis uniras, in dubiis libertas, in omnibus caritas”… Queria que os católicos saíssem do gueto e ocupassem seu lugar no mundo, se adaptassem, ampliassem sua capacidade de compreensão com a confiança de que a verdade nunca pode contradizer a verdade… Suas opiniões sobre a fé, o estudo livre, a Igreja como comunhão, o lugar do laicato na Igreja e no mundo, valorizam-se positivamente, assim como seu retorno à fonte da revelação, e seu esforço para pôr em prática o ensino espiritual do NT. (Ch. S. Dessain, Vida y pensamiento del Card. Newman).
BIBLIOGRAFIA: Obras: Apologiapro vita sua (BAC); Sermones católicos; Discursos sobre la fe, Rialp.; Gramática dei asentimiento (Biblioteca de Teologia), Herder; El sueho de un anciano, Rialp; La idea de la universidad. Epesa, Madrid 1950; Ch. Stephen Dessain, Vida y pensamiento del Cardenal Newman. EP, Madrid 1990. (Santidrián)