Luís de Leão

Leão, Frei Luís de (1528-1591)

Nasceu em Belmonte do Tejo (Cuenca), “mas sua segunda pátria, como no caso de Unamuno, foi Salamanca, a Salamanca dos humanistas e dos inquietos estudantes do séc. XVI, misto de grandeza clássica e miséria picaresca, de boato e formulismo e de sérios trabalhos literários e escolásticos”. Estudou em Salamanca na época de seu maior esplendor e teve como mestre o grande teólogo Melchior Cano: “Ouvindo o mestre Cano, que foi meu mestre, escrevi-lhe no geral as lições que ouvia dele, como é costume em Salamanca”.

Esse frade agostiniano foi chamado “mestre e catedrático” da Universidade de Salamanca já em 1561. De fato, pertencente à ordem de Santo Agostinho desde 1544, desempenhou a cátedra de Bíblia com geral satisfação entre seus numerosos discípulos. A partir de 1565, envolveu-se num processo inquisitório em que “a inveja e a mentira” o mantiveram fechado no cárcere durante cinco anos. Acusavam-no de menosprezar a autoridade da Vulgata e por sua tradução clandestina do Cântico dos Cânticos. Absolvido em dezembro de 1576, foi recebido triunfalmente em Salamanca, dirigindo-se a seus discípulos como a sua famosa frase: “Dicebamus externa die: Dizíamos ontem”. Continuaram suas aulas: a partir de 1578, na nova cátedra de filosofia moral, obtida por oposição e, no ano seguinte, na da Bíblia. Durante todo o ano de 1583, interveio muito ativamente no debate sobre a predestinação e o livre-arbítrio, que novamente o colocou face a face com o Santo Ofício. Terminou seus dias como provincial dos agostinianos, morrendo em seu convento de Madrigal de la Altas Torres, em 1591. Esse é o retrato que Pacheco nos deixou dele: “Foi pequeno de corpo, em devida proporção; a cabeça grande, bem formada, povoada de cabelo um tanto crespo e a franja densa; a testa larga; o rosto mais redondo do que comprido; cor trigueira, os olhos verdes e vivos”. Tinha o “dom do silêncio, agudeza no falar, sobriedade no comer e beber, grave, limpo e honesto; de natural colérico, mas se controlando”.

— Frei Luís de Leão, em seus diversos aspectos — o escritor, o neo-escolástico das obras latinas, o poeta e prosador em castelhano — , “tem um preciso denominador comum essencial: o elemento religioso. Renascimento cristão, católico, o da época de Felipe II, reúne os aspectos culturais na unidade. Do humanismo se faz escriturário”. De fato, Frei Luís é um humanista, um teólogo e um escritor perfeito, conhecedor das antiguidades clássicas. Seu conhecimento do grego e do latim, suas leituras, sua interpretação dos clássicos numa técnica moderna unem o seu nome ao de um Maquiavel, de um Leonardo ou de um Erasmo. Quando se encontrava no cárcere da Inquisição, pediu para ler obras de Sófocles e Píndaro. Sua lírica encontra-se plena de horacionismo, e na prosa realiza a mais bela síntese que qualquer literatura possa apresentar do estilo e técnica do diálogo platônico com o assunto e sentimento cristão e, dentro do cristão, teológico.

— De Frei Luís possuímos: a) Traduções em verso de Virgílio e Horácio, de Píndaro e Tibulo. b) Traduções diretas do hebraico: Salmos, Cântico dos Cânticos e mãos estas obrinhas”. d) As obras em prosa — latim e castelhano — das quais se destacam A casada perfeita e Os nomes de Cristo. Dos sermões, parte importante de sua atividade e personalidade, apenas se conservam exemplos.

— Como poeta, Frei Luís deixa uma obra relativamente breve, porém modelar. Poesias como Qué descansada vida — de estilo horaciano, em que substitui o tom epicúreo e cético do venusino por um desenganado estoicismo cristão — ou a ode a Salinas: El aire se serena e a Noche serena de tom platônico — elevam-nos da natureza inferior ao reino da harmonia dos universos e das ideias. Porém, em Frei Luís culmina o poeta cristão que deixava para trás Pitágoras, Platão, Virgílio e Horácio, para expressar sua na ode La Ascensión ou Morada dei cielo com acentos verdadeiramente cristãos. Penetra nas alturas da mística com um sentimento da natureza associado ao pastor divino.

— Em verso, Frei Luís é o criador de auges de beleza. Em prosa é ao mesmo tempo o acerto e o domínio constante de um estilo. Em prosa castelhana, deixou-nos um modelo de elegante e trabalhada simplicidade em dois livros de tema teológico-moral: Os nomes de Cristo e A casada perfeita. Este último, surgido em Salamanca em 1583, quer ser um espelho exemplar da esposa cristã. Toma como base o capítulo 31 do livro dos Provérbios. Combina as sátiras antifeministas da literatura patrística com as observações dos costumes mais pinturescos de seu tempo. Um documento para conhecer as damas espanholas do séc. XVI.

— A obra mais perfeita quanto ao estilo e ao pensamento é Os nomes de Cristo. Grande parte dela foi composta na prisão. Publicou-se pela primeira vez, em Salamanca, em 1583. Explica os nomes de Cristo na Escritura: Criança, Faces de Deus, Caminho, Monte, Pai do Século Futuro, Braço de Deus, Rei de Deus, Príncipe de Paz, Esposo, Pastor, Filho de Deus, Amado, Jesus, Cordeiro. A figura de Cristo aparece em toda a sua radiante humanidade e divindade: “Olhemos o semblante formoso e a postura grave e suave, e aqueles olhos e boca, esta nadando sempre em doçura, e aqueles muito mais claros e resplandecentes que o sol; e olhemos toda a compostura do corpo, seu estado, seu movimento, seus membros concebidos na mesma pureza e dotados de inestimável beleza”.

— Frei Luís fala-nos de Cristo chamando a alma, “unida sempre à aldrava de nosso coração”. Nele aparecem todas as vivências e emoções de sua alma religiosa, como a devoção a Maria: “Atrevo-me a chamá-la minha em particular, porque desde a minha infância ofereci-me totalmente ao seu amparo”. E sobretudo a mística atração da pessoa de Jesus, o “deleite da alma e sua doce companhia”.

Frei Luís, que “como poeta figura entre os cinco ou seis ápices da lírica em língua castelhana, é na prosa o autor mais equilibrado, mais clássico, mais perfeito; poeta e prosador, a representação mais harmônica do Renascimento espanhol” (A. Valbuena Prat, Historia de la Literatura Española).

BIBLIOGRAFIA: Obras completas castellanas de Fray Luís de León. Ed. del P. Félix García (BAC); La poesía de Fray L. de León. Universidad de Salamanca, 1970;AA. W. Fray Luís de León. Salamanca 1981.