Hipólito de Roma (170-236)
Primeiro antipapa e mártir, é venerado pela Igreja como santo até nossos dias. Em uma de suas obras perdidas, afirma ser discípulo de Santo Irineu, coisa que explica o próprio cuidado de seu mestre pela defesa da doutrina católica contra as heresias. Talvez esse cuidado excessivo o tenha levado a enfrentar-se com o Papa Calixto por ter mitigado a disciplina para os penitentes, acusando-o de herege. Foi eleito bispo de Roma, por um reduzido e influente círculo de cristãos, sendo assim o primeiro antipapa. Morreu mártir na “ilha da morte”, e posteriormente seu corpo foi trasladado para o cemitério da via Tiburtina, que ainda leva o seu nome. O Papa Damásio decorou a tumba de Hipólito com uma inscrição. Nela está escrito que fora discípulo de Novaciano, e logo mártir, depois de aconselhar seus seguidores a se reconciliarem com a Igreja. No mesmo cemitério, seus admiradores erigiram-lhe uma estátua, descoberta em 1551, em cuja cadeira aparecem gravadas a sua tabela pascal e uma lista completa de suas obras.
A produção literária de Hipólito foi comparada à de seu contemporâneo Orígenes, por seu volume, não pela profundidade e originalidade de pensamentos. Hipólito preocupa-se mais com questões práticas do que com problemas científicos. Publicou tratados anti-heréticos, uma Crônica, um Ordo, e até poesia religiosa.
Os escritos de Hipólito tiveram a mesma sorte que os de Orígenes. De suas numerosas obras muito poucas se conservam em seu texto original grego. As razões desta perda são atribuídas à cristologia herética do autor e à sua condição de cismático durante algum tempo.
A obra mais preciosa de Hipólito são os Philosophumena ou Refutação de todas as heresias. Consta de dez livros, nos quais o autor demonstra o caráter não cristão das heresias, provando a sua dependência da filosofia pagã. Outra obra importante, da qual somente nos restam fragmentos, é o Syntagma ou Contra as heresias. Desta obra nos falam Eusébio, Santo Jerônimo e, mais tardiamente, Fócio. Temos também o tratado dogmático De antichristo, o único que nos chegou completo. Dentro da literatura patrística, esse tratado é a dissertação de maior envergadura sobre o problema do anticristo.
Seguem-lhe os tratados exegéticos, como o Comentário sobre Daniel, o Cântico dos Cânticos, sobre algumas passagens do Gênesis etc. E as Homilias sobre os salmos.
— Outras obras importantes de Hipólito são a Crônica da história do mundo, que abrange desde a criação até o ano de sua composição (234). Foi escrita para tranquilizar a ansiedade dos que acreditavam na proximidade do juízo final e do milênio. E o Cômputo pascal, com o qual desejou libertar a Igreja do calendário judeu e calcular cientificamente a lua cheia da Páscoa. Desta obra restam poucos fragmentos.
— Particular interesse merece a Tradição apostólica. O título desta obra figura na cadeira da estátua de Hipólito, erigida no séc. III. Seu texto completo foi identificado em princípios de nosso século. A Tradição apostólica é a mais antiga, depois da Didaque, e a mais importante das constituições eclesiásticas da Antiguidade. Compreende três partes principais: 1) Contém um prólogo, cânones para a eleição e consagração de um bispo, a oração de sua consagração, a liturgia eucarística que segue essa cerimônia, e as bênçãos do azeite, do queijo e das azeitonas, normas para a ordenação de sacerdotes e diáconos. Fala-se também de confessores, viúvas, virgens etc. 2) Dá normas para os seculares: para os neoconversos, sobre as artes e profissões proibidas aos cristãos, sobre os catecúmenos, o Batismo, a Confirmação e a Primeira Eucaristia. A descrição do Batismo que encontramos aqui é de inestimável valor porque contém o primeiro símbolo romano. 3) A terceira parte trata de vários costumes cristãos: Eucaristia dominical, regras para o jejum e para o ágape etc. Há normas para o enterro, para a oração da manhã, para a instrução catequética e outras.
Santo Hipólito, um escritor brilhante, e o último dos escritores latinos que escreveu em grego, tem para a Igreja o mérito de ser a testemunha da tradição e do pensamento cristão primitivo.
BIBLIOGRAFIA: Obras: PG 10, 16, 3; J. Quasten, Patrologia, 1,452-96. (Santidrián)