Bernardo de Claraval, São (1091-1153)
Nasceu em Fontaines (Dijon) e morreu em Clairvaux. Conhecido tardiamente como “Doctor melifluo” (1953), por sua doutrina “mais suave que o mel”. Concebeu o misticismo como arma de combate contra toda forma de heresia religiosa ou filosófica e como instrumento para reforçar o poder eclesiástico.
Considerado “o último dos padres”, São Bernardo reúne em sua pessoa o homem místico e de ação inigualável: ardente e calmo, conciliador e guerreiro, monge e soldado, pregador e martelo dos hereges, guardião da Igreja e exaltado devoto de Maria. Monge aos 21 anos, depois de uma ruptura ruidosa com o mundo, foi escolhido abade de Clairvaux aos 25. Deste reduto de solidão e de trabalho, transforma-se no reformador e vigia de sua ordem e da Igreja. Bernardo consegue reunir em Clairvaux mais de 700 monges, agrupa 160 mosteiros em torno de sua reforma, anima a cavalaria cristã dos templários, aconselha os reis da França e principalmente — de 1130 a 1145 — transforma-se em guardião da Igreja e do pontificado: teve tempo para resolver cismas e heresias, interveio na eleição dos papas, participou do Concílio de Sens (1141) para condenar Abelardo e, finalmente, proclamou a segunda cruzada em 1146.
Não é menos notável sua atividade literária e sua incessante pregação. Suas mais de 400 cartas existentes dão-nos uma ideia do mundo medieval no qual viveu e atuou: ideias, personagens, problemas. Sua pregação ardente e combativa ocupou boa parte de sua obra. Cartas e sermões são caracterizados por sua frequente alusão aos padres da Igreja e pelo uso de analogias, etimologias, aliterações e símbolos bíblicos, cheios de ressonâncias poéticas. Basta citar seus Sermones in cantica canticorum, exemplo admirável de linguagem mística.
O restante de sua obra está agrupado em dois blocos: 1) Obras de controvérsia: Contra quaedam capitula errorum Abelardi e Capitula haeresum Petri Abelardi. 2) Os escritos ascéticos e místicos: De gradibus humilitatis et superbiae (1121); De diligendo Deo (1126); De gratia et libero arbítrio (1127); De consideratione (1149-1152). Sem esquecer seus Louvores à Virgem Mãe, o clássico livro sobre a devoção mariana.
São Bernardo encarna o gênio religioso de toda a sua época. Sua obra combina uma vida mística de dedicação a Deus, com sua entrega aos pobres e sua preocupação com os problemas da Igreja. Há nele uma constante tensão entre o desejo de servir aos demais e seu desejo de cultivar a vida interior, permanecendo no claustro.
Sua doutrina sintetiza-se nestes pontos: 1) Negação do valor da razão. Não nega a utilidade que, conforme o caso, podem ter os conhecimentos filosóficos e dialéticos, mas sustenta que o conhecimento das ciências profanas é de ínfimo valor, comparado com o das ciências sagradas. Bernardo pronuncia-se sem reservas contra a razão e a ciência. O desejo de conhecer parece-lhe uma “torpe curiosidade”. Classifica as discussões dos filósofos como “eloquência cheia de vento” (Sermones in Cantica, 36,2; 58,7). Aisto se deve, sem dúvida, sua oposição a Abelardo, o dialético que “nihil videt in speculo, nihil in aenigmate”. Em consequência, mantém uma atitude de permanente suspeita em relação à filosofia e à razão.
— Diante desta negação da razão e do valor do homem, elabora com profundidade a doutrina do amor místico. “Minha mais sublime filosofia é esta: conhecer Jesus e sua crucifixão” (Sermones in Cantica, 43,4). O caminho que conduz à verdade de Cristo é a humildade. Subir os doze graus de humildade — segundo ele — é alcançar a humildade e a verdade, que consiste em conhecer a própria miséria e a do nosso próximo. Assim nos introduzimos no reino da justiça e purificamos nossa consciência.
— A alma alcança o ponto culminante do conhecimento humano no êxtase. Aqui a alma, de certa forma, separa-se do corpo, esvazia-se e perde-se a si própria para gozar numa espécie de contato com Deus. Trata-se de uma fusão e como “deificação da alma pelo amor”. Só a caridade pode efetuar essa maravilha de uma união perfeita numa distinção radical de seres (De diligendo Deo, 11,32; 11,36; 15,39).
— Amar a Deus por si mesmo é conformar nossa vontade com a sua. Isso nos torna livres. Enquanto se ama como Deus ama, há perfeito acordo entre nossa vontade e a vontade divina. Há perfeita semelhança entre o homem e Deus. A vida cristã, portanto, identifica-se com a vida mística, e esta, por sua vez, pode ser considerada como uma reeducação do amor.
E. Gilson resume assim seu juízo sobre São Bernardo: “A profunda influência que São Bernardo exerceu depende de múltiplas causas: o prestígio de sua santidade, a eloquência de seu estilo e sua autoridade como reformador religioso. No entanto, devemos assinalar, além das já citadas, outras causas: que fundou sua doutrina numa experiência pessoal do êxtase e que deu uma interpretação totalmente elaborada dessa experiência” (A filosofia na Idade Média, 279).
BIBLIOGRAFIA: Obras completas de san Bernardo. Edição bilíngue (BAC), 6 vols.; E. Gilson, La théologie mystique de S. Bernard; lâ.,A filosofia na Idade Média, 277280, com a bibliografia indicada. (Santidrián)