Gr. doxa (18); doxazô, glorificar, manifestar a glória (23); timaô, honrar (6); timê, honra, estima (1); phaneroô, manifestar (9).
I. Significado e uso dos termos. O termo gr. doxa traduz o hebr. kabod e conserva as suas acepções: riqueza, esplendor. Pode ser divina ou humana. Neste último caso denota o brilho da posição social e a honra que se lhe tributa.
No AT, a glória que manifestava a presença de Deus revestia formas visíveis: a nuvem no deserto (Ex 16,7.10) ou no Sinai (Ex 24,15s); o fogo voraz no monte (Ex 24,17), a coluna de nuvem ou de fogo que acompanhava o povo (Ex 40,38; Nm 14,14); podia ter caráter de ameaça (Ex 16,7ss; Nm 14,10-39).
Moisés quis ver a glória de Deus, mas não pôde ver o seu rosto, porque isso lhe teria causado a morte (Ex 33, 18-23;34,6-8). A glória de Deus, sinal de sua presença e comunicação, encheu a Tenda da Reunião sobre a qual pousou a nuvem (Ex 40,34s) e, mais tarde, o templo de Salomão no dia de sua Dedicação (lRs 8,10s).
Na profecia de Ezequiel, a glória abandona o antigo templo (Jo 8,4;10,4.18s) e entra mais tarde no novo (Jo 43,1-5), assegurando a presença perpétua de Deus (Jo 43,7).
O verbo doxazô, com sentido manifestativo, usa o aor. médio passivo (Jo 7,39;ll,4;13,31s;14,13;15,8) e, paralelamente, o aor. e fut. ativos (Jo 12,28; 13,32; 16,14; 17,1.4.5;21, 19); também o pf. médio-passivo (Jo 17,10). Não é manifestativa a forma reflexiva (Jo 8,54), e daí o uso do complemento perifrástico: sou to onoma (Jo 12,28).
O mesmo se emprega na LXX, que traduz o niphal de ‘adar por formas médio-passivas manifestativas de doxazô/ eudoxazô. Assim, aor., Is 66,5: hina to onoma K. doxasthê kai opsê en euphrosynê hymôn, que o Senhor mostre sua glória e vejamos vossa alegria; fut., Ex 14,4-7; Lv 10,3; Is 24,23: enôpion: Ez 28,22; pf. Ex 15,1.6;34,29.35; 2Sm 6,20: luzir, 22; Ml 1,11: minha fama é grande.
Este uso fora antecipado por Jo na primeira manifestação da glória: ephanerôsen tên doxan autou (Jo 2,11), forma explícita que anunciava o uso posterior de doxazô. De fato, a manifestação da glória em Caná é proléptica com respeito à que terá lugar em “sua hora”, com a qual se ligam os outros textos.
“Honrar” (timaô) usa-se em Jo no sentido de mostrar estima de alguém (Jo 5,24: de Jesus do Pai; cf. 4,44: timê); contextualmente assume o sentido de reivindicar a honra do Pai (Jo 8,49) e o de enaltecer, conferir dignidade (Jo 12,26: o Pai ao discípulo).
II. Equivalências. A equivalência da glória divina (doxa) com amor e lealdade (charis kai alêtheia) está explicitamente expressa em 1,14.
A equivalência da glória-amor com “o Espírito” (to pneuma) aparece, em primeiro lugar, pelo paralelo entre os verbos usados em 1,14: temos contemplado (etheasametha) sua glória e 1,32: Contemplei o Espírito tetheamai) o Espírito. Em segundo lugar, Jesus dá aos seus a glória que ele recebeu do Pai (Jo 17,22); isso se verifica quando lhes comunica o Espírito (Jo 20,22) que ele próprio recebera (l,32s) (Espírito II; Amor II).
A mesma realidade divina expressa-se em termos de “glória” enquanto é riqueza e esplendor; em termos de “Espírito”, enquanto é força e princípio vital; em termos de “amor leal”, enquanto é benevolência e atividade que se traduz no dom.
III. A glória de Deus em Jesus, a) Jesus está cheio da glória de Deus (Jo 1,14), riqueza do Pai que ele recebe como Filho único e herdeiro universal (Jo 1,14; cf. 3,35; 13,3). Essa riqueza é o amor leal (Jo 1,14), glória-presença de Deus que o enche, como em outros tempos enchera a Tenda da Reunião, e que a comunidade pode contemplar (Jo 1,14). João Batista expressa a mesma realidade dando testemunho de ter visto descer do céu o Espírito, força do amor de Deus, e permanecer em Jesus (Jo 1,32.33). Identifica-se assim a glória-riqueza de Deus com o amor leal e com o Espírito (Espírito II, IVb).
A comunicação de sua própria glória (amor) é o gesto supremo de comunhão por parte de Deus e realiza a unidade do Pai e do Filho (Jo 1,14;17,22; cf. 10,30;17,11), até ao ponto de que ver Jesus é ver o Pai (Jo 12,45; 14,9) e dar adesão a ele é dar adesão ao Pai (Jo 12,44; 14,1). A plenitude da glória presente em Jesus faz dele o Filho único, o único Deus gerado, que vive na intimidade do Pai (Jo 1,18).
A presença da glória em Jesus, que o constitui em novo santuário (Jo 2,19.21), faz referência ao êxodo e à aliança, a qual não se funda na Lei dada por Moisés, mas no amor leal (o Espírito), que reside em Jesus e por seu intermédio existe nos homens (Jo 1,17; cf. 7,39) (Espírito IVc), fazendo-os participarem de sua plenitude (Amor II).
b) O templo de Jerusalém, destinado a ser o lugar da presença de Deus e a habitação de sua glória, foi transformado pelos dirigentes em casa de negócios (Jo 2,16); suprimiram a presença de Deus para entronizar o deus-dinheiro (cf. 8,20: o Tesouro; Inimigo II). Daí o fato de que este templo e Jesus, novo santuário em quem habita a glória, sejam incompatíveis (Jo 8,59: Pegaram pedras para atirar nele). A saída de Jesus do templo equivale à saída da glória que o abandona, segundo a profecia de Ezequiel (v. supra I).
IV. A manifestação da glória, a) Deus demonstra o seu amor ao mundo dando o seu Filho único a fim de que o homem tenha vida definitiva (Jo 3,16); este amor é sua glória, que se manifesta ao se manifestar a glória do Filho (Jo 17,1).
A glória-amor manifesta-se em toda a atividade de Jesus como doador de vida (Jo 11,4.40), mas alcança sua expressão suprema na cruz, quando Jesus aceita voluntariamente a morte por amor ao homem, a fim de comunicar-lhe vida (o Espírito) (Jo 19,30: entregou o Espírito; cf. 19,34). A morte de Jesus é o momento culminante de “sua obra”, anunciada em Caná (Jo 2,4), onde a amostra de vinho antecipava e anunciava a plena manifestação da glória-amor na cruz (Jo 2,8-10), a teofania da aliança (Jo 2,11: Manifestou a sua glória; cf. 7,39;12,23.27s;13,31;17,l).
A manifestação plena da glória-amor na cruz continua para sempre (cf. 17,24); assim o simboliza o lado aberto depois da ressurreição (Jo 20,20.27), donde continua manando a água do Espírito (Jo 19,34), a glória-amor leal (v. supra II).
b) As outras passagens que mencionam uma manifestação estão em relação com estes. O batismo de João tinha por objetivo que Jesus se manifestasse a Israel: a ruptura com as instituições permitira que se manifestasse o seu amor (cf. 2,6: simbolismo das talhas/Lei que impedem a experiência do amor; 2,4: Não têm vinho; 2,11: Manifestou a sua glória) (Água II; Bodas II).
Jesus manifesta a glória do Pai (Jo 1,14) manifestando em sua atividade a atividade do Pai em favor do homem (Jo 9,4), e dessa forma manifesta a pessoa do Pai (Jo 17,6; 12, 45: Quem me vê, vê o Vai; cf. 14,9;10,37s).
Os “irmãos” de Jesus (seu pessoal) propõem-lhe manifestação que ele não aceita; é a do poder e da fama, e não a do amor (Jo 7,3s) (Irmão II).
Note-se a tríplice repetição do verbo “manifestar-se” no capítulo 21 (Jo 21,1 bis. 14) para indicar a continuidade (Jo 21, 14) e particularidade dessa aparição de Jesus relativamente às duas anteriores (Jo 20,19-29). Esta manifestação, que se verifica durante o trabalho/missão da comunidade, é a manifestação do seu amor, que com a palavra e a ação o torna presente nela. Está em relação com o anunciado a Judas (não o Iscariotes) na Ceia: ao que me ama o Pai lhe demonstrará o seu amor e eu também lho demonstrarei manifestando-lhe (emphanisô) a minha pessoa (Jo 14,21). Por isso é o discípulo que corresponde ao amor de Jesus quem percebe sua presença (Números III).
V. A comunicação da glória. Jesus comunica aos seus a riqueza (glória) do seu amor, que ele recebeu do Pai (Jo 17, 22; cf. 1,16.17); ele os introduz assim na intimidade divina (Jo 17,3), realizando a unidade dos seus consigo e com o Pai (Jo 17,22) (Unidade III). Esta glória-amor é o Espírito que a comunidade recebe da plenitude de Jesus ao manifestar sua glória na cruz (Jo 19,30.34; cf. 7,39) (Espírito IV). Por isso, à visão de João Batista, que vê descer o Espírito sobre Jesus (Jo 1,32), corresponde a da testemunha (Jo 19,35; cf. 1,14: Temos contemplado), que na “hora” vê descer de Jesus, junto com o sangue (o seu amor demonstrado com a entrega de sua vida), a água do Espírito (o amor que comunica) (Jo 19,34).
VI. Glória de Deus e glória humana em Jo. Jo distingue entre a glória que vem de Deus e a que vem dos homens (Jo 5,41.44;12,43), assim como entre buscar a própria glória e buscar a de Deus (Jo 7,18;8,50.54).
Procurar a glória humana significa preocupar-se com sua própria posição social e com o seu prestígio ainda que com prejuízo dos outros (Jo 12,42s). Este afã é incompatível com a glória que vem de Deus (o amor leal) que dedica o homem ao bem dos outros desprezando a glória humana e até deixando a vida neste empreendimento. Quem busca a própria glória comete injustiça e não é digno de fé (Jo 7,18).
Busca-se a glória do Pai (a manifestação do seu amor) quando se trabalha no sentido de levar a cabo a sua obra (Jo 17,4), o seu desígnio de amor ao homem (cf. 4,34;6,39s) (Criação III, V). Os dirigentes judeus cuja atividade não se atém ao desígnio de Deus, mas ao do Inimigo homicida e embusteiro (Jo 8,44), apetecem e aceitam a glória humana (Jo 5,44), e isso é prova de que neles não está o amor (glória) de Deus (Jo 5,42.44). [VTESJ]