Testemunho Anonimo Philokalia

Testemunhos à margem da Philokalia
Instrução para o mistério da oração (euche) do espírito: Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende piedade de mim

A graça (kharis) que recebemos no santo batismo está escondida nas profundezas do espírito.

O coração (kardia) se torna o receptáculo da graça (kharis) quando, através de uma perseverante oração (euche) de atenção (prosoche) , invocando o Senhor.

A fraude de Satã envolve o coração (kardia) em qualquer tempo: projeta nele os pensamentos (logismos) impuros e ilude o intelecto (nous) através da imaginação (phantasia) de formas. O combatente não tem outro meio de expulsá-la, senão pela invocação do Nome Salvador.

Aplicai vossa atenção (prosoche) : o sinal que não engana é a compunção (katanyxis), a contrição e as lágrimas. A fraude opera no ventre, desencadeia o prazer (hedone) vergonhoso e endurece. Ficai atentos, pois, a vosso coração (kardia), invocando, ao mesmo tempo que inspirais, o Senhor Jesus.

Método ou instrução herdada dos Padres, relativa ao mistério da oração (euche) do espírito — a oração (euche) que se exerce pela atenção (prosoche) extrema, da parte dos que se decidiram a exercitar-se nela, scb pena de se desviarem. A operação que não engana é da maior utilidade, quando praticada convenientemente, de acordo com as indicações que se seguem.

A união das três partes da alma (psyche) : racional (logistikon), apetite irascível (thymikon) e concupiscível (epithymetikon).

O princípio, o meio e o fim dessa laboriosa operação, dessa “arte das artes”, dessa “ciência das ciências”, são estes: congregar o pensamento (logismos) para impedi-lo de passear no meie das vaidades, ao mesmo tempo que vosso verbo interior, que pronunciais sozinho dentro de vós; misturá-los com o ar que inspirais e dar ao intelecto (nous), como trabalho, a oração (euche): “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende piedade de mim”, segundo a palavra do Senhor, “Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade” ( Jo 4,24 ).

Essa oração (euche) nos vem dos santos apóstolos. Servia-lhes para orar ininterruptamente, segundo a in junção de São Paulo aos cristãos, de orar sem cessar; isto é, fazer essa oração (euche) em segredo, dizê-la em pensamento (logismos), quer estejam orando, passeando, comendo, dormindo ou velando, porque ela guarda de todo pecado (hamartia). Essa oração (euche), praticaram-na os antigos cristãos, os mártires a caminho do suplício, os santos dos desertes e das cavernas. Salvaram-se graças a ela, que lhes valeu a realização de milagres, por eles próprios. Praticaram-na os grandes dignitários da corte, os basileis, mesmo em meio à azáfama dos negócios. Essa oração (euche) breve, além de estar ao alcance de todos e dispensar livros numerosos e variados, inspira a compunção (katanyxis), é cheia do Espírito Santo e é muito teológica: refuta todas as heresias, compreende em sua concisão todo o mistério da Economia ( plano divino da Encarnação ) ao mesmo tempo que o sentimento ortodoxo ( segue-se um gráfico ilustrativo do alcance dogmático da oração (euche), relativamente a todas as heresias, do arianismo ao luteranismo ).

( Os santos apóstolos e os mais perfeitos (teleios) dos Padres “sóbrios” e contemplativos, seguros de sua santidade e de sua salvação (soteria), contentavam-se em dizer “Jesus”. O resto da oração (euche) é função do nível espiritual do indivíduo ). Essa proveitosíssima ocupação da operação mental recomenda-se a todo mundo, mas em primeiro lugar aos monges, per causa de sua extrema utilidade. É lamentável que, por causa da inexperiência nesse exercício (praktike), sobretudo em nossa época, em que é completamente desprezado, padeçam por sua causa, ao invés de tirarem proveito dela. Por quê? Porque em vez de se aplicarem à sobriedade (nepsis) e à atenção (prosoche) do espírito simultaneamente ao pensamento (logismos) da morte; em vez de verterem essas lágrimas de compunção (katanyxis), geradoras de pureza e de alegria, pela certeza (plerophoria) que trazem do perdão de seus pecados (hamartia), eles partilham do erre dos falsos profetas ventríloquos e da operação desnaturada e ímpia dos pseudo-monges maometanos. Os primeiros tinham Satã sentado no coração (kardia) e o ventre cheio de maus espíritos; pronunciavam oráculos e prefecias aos que vinham pedi-los: assim, os profetas de Baal e outros idolatras que se golpeavam com espadas e dardos, para prestar culto aos demônios (diabolos). Os outros são os dervixes muçulmanos que ficam rodando fazendo estalar a língua, babando e arrotando toda espécie de blasfêmias, como o seu Doutor Maomé.

Os nossos, desviados pela inexperiência, deixam-se subornar pelo sedutor; e Satã, perito no mal, desvia-os e precipita-os no mesmo abismo de perdição. Agem assim, ao invés de obter a contrição, de comover-se profundamente pelo pensamento (logismos) da morte e de seus pecados (hamartia), e fazê-lo de modo geral, sem imaginar a maneira pela qual cometeram esses pecados (hamartia) — o que é muito funesto para os fracos e os atrai sorrateiramente, no prazer (hedone) e na complacência do passado… Convém trazê-los à memória de maneira anônima, imprecisa, sem detalhes, para humilhar-se; expulsá-los imediatamente, de modo que o pensamento (logismos) não se demore no meio deles e não seja maculado.

É por isso que não aceito aqueles que, para adquirir a contrição e buscar o perdão divino, pela invocação do nome salvador, têm por objeto de atenção (prosoche) o ventre; outros, diretamente o centro do peito; outros, a garganta. Deleitados per um certo prazer (hedone) estranho que, materializando-se ( liter.: tornando-se mais espesso ) termina, dizem eles, no umbigo e no baixo ventre, macula-os pelo escoamento da luxúria (porneia). É desse modo que os infelizes soçobram lamentavelmente no abisme da perdição. Isso provém de duas causas e de uma terceira. Em vez de irem ter ao dispensário da salvação (soteria) com humildade (tapeinophrosyne) e consultar os experientes, por causa de uma dissimulada presunção, encasquetaram adquirir de repente a graça (kharis) do Espírito Santo e se tornar contemplativos. Quiseram subir às alturas e Deus permitiu que caíssem miseravelmente, per causa da audácia presunçosa e do orgulho. Aí está por que muitas vezes Satã apresenta ao olfato desses indivíduos um perfume sensível, aromas ou incenso, como nos relatam a respeito dele. Às vezes mostra-lhes uma luz de fogo, geradora de trevas, cheia de demência, covardia, blasfêmia e alegria mentirosa. A manifestação da luz divina é, ao contrário, cheia de uma alegria inefável e a contemplação (theoria) da santa luz não é como a do fogo material: é uma contemplação (theoria) imaterial, estranha e superior ao entendimento, que encanta os intelectos bem-aventurados na contemplação (theoria) dos mistérios inexprimíveis, como aparece na vida dos santos. Eles se desviam, depois, por falta de conselho. Enfim, alguns, não compreendendo o exercício (praktike) da inspiração, violentam-se para reter a expiração e comprometem a saúde física; contraem o mal de consumpção, depois do abandone’ divino resultante do orgulho, pois a graça (kharis) causa a vida e não a morte.

Os santos Padres, que combateram com ela, dão testemunho de que a prática (praktike) dessa operação é nobre e proveitosa. Mais uma razão para excitar a inveja (pleonexia) de Satã. Ele não quer que o infeliz descubra de que modo ele, o velhaco, devasta o coração (kardia) do homem, domina suas pastagens, espalha o joio dos maus pensamentos (logismos) e das más lembranças; e enfim, que a repetição dessa prática (praktike) é o quanto basta para expulsá-lo. É exatamente por isso que se esforça para que o homem se descuide de purificar o coração (kardia), per meio da oração (euche) mental. Ele se dedica a enganar os homens, por assim dizer, com uma moeda falsa; a fazê-los aceitar as trevas como se fossem luz e, em lugar da compunção (katanyxis) e das lágrimas de humildade (tapeinophrosyne), a presunção e o fogo do prazer (hedone) vergonhoso; para terminar, ainda faz que o espírito se perca. Assim, aos que o escutam, ele tenta inspirar aversão por essa obra tão proveitosa para a alma (psyche) .

O velhaco saiu-se muitíssimo bem. Os monges de hoje não querem ouvir falar da atenção (prosoche) ou da oração (euche) mental; zombam dos que a praticam, nem mais nem menos que os Barlaamitas e outros hereges, tornando-se, sem perceber, o brinquedo do espírito ímpio de Satã. Não vêem que, na oração (euche) que consiste na leitura e no puro movimento dos lábios, o leitor que não eleva o espírito da letra aos pensamentos (logismos) mais altos, só acumula vento, sem o menor fruto de oração (euche). Os santos Padres, ao compor as orações e os tropários ricos em contemplações (theoria), têm em vista meios de estimular os leitores. Portanto, aquele que ora apenas com a boca, em hinos e salmos, tem um espírito que vaga e se dispersa à mercê dos pensamentos (logismos) terrenos e das distrações. Quem, ao contrário, faz oração (euche) mental e eleva o espírito, das palavras pronunciadas à contemplação (theoria) de seu conteúdo, faz boa colheita e progride da vida ativa à contemplação (theoria). O ativo — aquele que pratica a oração (euche) — toma a bebida de compunção (katanyxis) e persevera na operação espiritual; atravessa, por assim dizer, a porta da prática (praktike) dos mandamentos de Deus, quando ora, para receber então a recompensa, quando deseja atingir o auge da contemplação (theoria). O contemplativo, isto é, aquele que é perfeito na contemplação (theoria), embriaga-se com a bebida poderosa das lágrimas e penetra no átrio da casa de Deus; rende graças, não mais porque venceu os seus inimigos apenas, mas também porque os fez prisioneiros. O intelecto (nous), calcado sob os passos da oração (euche) mental, assemelha-se a um chão freqüentemente pisado por quem passa, tornando-se um caminho batido e uniforme. A oração (euche) acompanhada da contemplação (theoria) espiritual é a terra da promessa. Grandes e louváveis são a obra e o combate desse exercício (praktike) mental, quando o combatente a ele se entrega como deve…

Se há moedas falsas, há também cambistas encarregados de examinar o ouro e a prata, com a pedra de toque, e aos quais podemos levá-los para serem examinados. Isso quer dizer: precisamos consultar os homens experimentados nesse exercício (praktike) e aprender deles a verdade. A pedra, isto é, a interpretação dos Padres, vai esclarecer-nos à vontade (thelema), principalmente a de nosso santo Pai Nicéforo, o Hagiorita, mestre seguro desse método; e com ele, tantos outros…