Tertuliano Oração I

Tertuliano — A Oração
Tradução do Abade Timóteo Amoroso Anastácio
I
Cristo ensina uma nova forma de oração

1 Jesus Cristo, nosso Senhor, que é tanto Espírito de Deus, como Palavra (sermo) de Deus e Verbo (ratio) de Deus, (Palavra do Verbo e Verbo da Palavra), instituiu para os novos discípulos do Novo Testamento uma nova forma de oração.

Convinha, realmente, que também nesse plano se guardasse o vinho novo em odres novos, e se costurasse um pano novo numa veste nova (cf. Mt 9,16-17; Mc 2, 21-22; Lc 5, 36-39). De resto, tudo que viera antes, ou foi inteiramente abolido como a circuncisão, ou foi completado como o resto da Lei, ou cumprido como a profecia, ou levado à perfeição como a própria .

2 A nova graça de Deus renovou todas as coisas, fazendo-as passar de carnais a espirituais, mediante o Evangelho, que opera a revisão de todas as coisas antigas.

Pelo Evangelho, nosso Senhor Jesus Cristo se fez reconhecer como Espírito de Deus, Palavra de Deus e Verbo de Deus: Espírito, por seu poder eficaz; Palavra, por seu ensinamento; Verbo, por sua vinda.

Assim, pois, a oração instituída por Cristo reúne três dimensões: a do Espírito, razão da sua grande eficácia; a da Palavra, em que ela se exprime; e do Verbo

João já ensinara seus discípulos a orar

3 Também João Batista já ensinara seus discípulos a orar. Mas tudo em João era preparação à vinda de Cristo.

Quando Cristo cresceu — e João já anunciara que era preciso que Cristo crescesse e ele mesmo diminuísse (cf. Jo 3,30) — toda a obra do precursor se transferiu para o Senhor, segundo o espírito de João.

Por isso, nada nos resta das palavras com que João ensinou a orar, pois as coisas terrenas deram lugar às celestes. “Quem é da terra, diz João, fala o que é da terra, mas o que vem do céu fala daquilo que viu” (Jo 3,31-32). E o que não é celeste no Cristo Senhor, inclusive o seu ensinamento sobre a oração?

Como orar

4 Consideremos, pois, irmãos abençoados, a celeste sabedoria de Cristo, que se manifesta, em primeiro lugar, pelo preceito de orar em segredo ( cf. Mt 6,6).

Por aí Cristo induzia o homem a acreditar que o Deus Onipotente nos vê e nos escuta em toda parte, mesmo em casa e nos lugares mais escondidos. Ao mesmo tempo, ele queria que a nossa fosse discreta, de modo que, confiante na presença e no olhar de Deus em toda parte, reservasse o homem só a Deus a sua veneração.

5 Já no preceito seguinte (cf. Mt 6,7), se manifesta uma sabedoria que se refere tanto à , como ao discernimento da .

Pois, certos de que Deus em sua providência olha pelos seus, não se deve pensar que para nos aproximarmos dele precisamos de muitas palavras.

Uma oração breve

6 Aqui chegamos, por assim dizer, ao terceiro grau da sabedoria. Com efeito, essa brevidade está apoiada na significação de palavras grandes e felizes, pois quanto mais curta, mais rica de sentido é esta oração.

De fato, ela não compreende apenas a exigência própria da oração, isto é, a veneração de Deus e a súplica do homem, mas quase todas as palavras do Senhor. Constitui uma lembrança de todo o seu ensinamento, de tal modo que nela temos uma síntese de todo o Evangelho.