Jesus Histórico

EVANGELHO DE JESUS — JESUS HISTÓRICO

VIDE: O QUE SE CHAMA CRISTIANISMO

René Guénon: APRECIAÇÕES SOBRE A INICIAÇÃO

Observamos a este propósito onde os que, com intenções «apologéticas», insistem sobre o que eles chamam, com um termo, além do mais, bastante bárbaro, de «historicidade» de uma religião, até o ponto de ver nisso algo completamente essencial e inclusive de lhe subordinar às vezes as considerações doutrinais (enquanto que, ao contrário, os fatos históricos mesmos não valem verdadeiramente senão enquanto puderem ser tomados como símbolos de realidades espirituais) cometem um grave engano em detrimento da «transcendência» dessa religião. Um engano tal, que, além de tudo, dá testemunho de uma concepção fortemente «materializada» e da incapacidade de se elevar a uma ordem superior, pode ser considerado como uma perniciosa concessão ao ponto de vista «humanista», quer dizer, individualista e anti-tradicional, que caracteriza propriamente o espírito ocidental moderno.

Willis Barnstone: THE RESTORED NEW TESTAMENT [WBNT]

Por mais de um século, aqueles que buscam por verdades históricas nos textos sagrados e seculares chegaram a duas versões de Jesus: o Jesus do Evangelho e o Jesus Histórico. O dilema em procurar o Jesus Histórico é a constatação crescente do que não pode ser conhecido. Não se conhecem os fatos fundamentais da vida de Jesus — incluindo a natureza de seu nascimento, a seita ou segmento de judeus (essênios, galileus, zelotes, fariseus, hassídicos) cujas visões refletiram sua formação, a causa específica de sua crucificação. Na falta de recursos, busca-se nos evangelhos provar ou desaprovar um evento ou afirmação. Busca-se por elementos especiais dentro da estória do evangelho, e então examina-se evidências arqueológicas em Israel, assim como para corroborar eventos em Homero olha-se para as ruínas de Troia, seus muros, o Labirinto em Creta, o touro de pedra, e até o Hades como um templo arcaico no Epirus do sul. Quanto a documentos patrísticos para confirmar a estória de Jesus, os comentários não levam à história mas de volta aos evangelhos através das convicções e interpretações apaixonadas dos Padres da Igreja dos ditos e atos de Jesus. Qualquer que seja o rigor de uma razão desapaixonada, honestidade, e inteligência imparcial, aplicado a esta busca do Jesus Histórico, permanece o fator limitante que, em investigando milagres, eventos, e conversas íntimas que tiveram lugar em casas, no Sanedrim, e entre Jesus e seus oponentes, não há nenhuma evidência para suportar ou rejeitar este material como um “documento histórico”. Quanto as referências do evangelho a pessoas e eventos no tempo de Jesus, tem-se informações históricas: Romanos no Oriente Médio selêucida; a conquista de Jerusalém por Pompeu em 63; os judeus em Israel, Alexandria e na diáspora ampla; o levante judeu contra os Romanos em 66-70. E esta informação externa nos ajuda a receber o significado das sentenças do evangelho em algum contexto histórico.


Michel Henry [MHSV]

O primeiro traço decisivo da VERDADE do cristianismo é que ela não difere em nada do que ela torna verdadeiro. Nela não há separação entre o ver e o que é visto, entre a luz e o que ela ilumina. E isso porque não há nela Ver nem visto, nenhuma Luz como a do mundo. Desde o início, o conceito cristão da verdade se dá como irredutível ao conceito de verdade que domina a história do pensamento ocidental, da Grécia à fenomenologia contemporânea. Esse conceito tradicional da verdade não determina somente a maior parte das correntes filosóficas que se sucederam até nossos dias, mas, ainda mais, a ideia que temos hoje da verdade tanto no domínio do conhecimento científico como no do senso comum, mais ou menos impregnado do ideal científico. E precisamente quando o conceito cristão da VERDADE cessar de determinar a consciência coletiva da sociedade como o fazia na Idade Média, que seu divórcio da ideia grega de conhecimento e de ciência verdadeira se manifestará com toda a sua força. E a consequência será, senão a supressão do conceito cristão, ao menos seu rechaço no domínio da vida privada, e até no da superstição. MHSV II

Sucede porém que, se a Revelação de Deus não deve nada à verdade do mundo, se sua matéria fenomenológica pura não se identifica com esse horizonte de luz que é o mundo, de modo que não pode mostrar-se neste e nunca nele se mostra, como podemos ter acesso a ela? E, antes de tudo, como podemos pensá-la? Pois o pensamento é tão somente um modo de nossa relação com o mundo. Pensar é sempre pensar algo com que o pensamento se relaciona num ver sensível ou inteligível e, portanto, sob a condição do mundo. Toda forma de conhecimento – e notadamente o método científico de investigação, incluído o método fenomenológico – procede segundo um jogo de implicações intencionais desdobradas a cada vez para alcançar uma evidência e, assim, a um ver. É nesse ver e graças a ele que se constitui toda aquisição de conhecimento. O trabalho aqui empreendido, concernente à VERDADE do cristianismo, isto é, à autorrevelação de Deus, como poderia chegar a algum resultado se ela se furtasse no princípio a toda mira do pensamento, a qual pressupõe sempre a abertura prévia de um mundo? MHSV II

Às definições de Deus como encontrando sua essência na Vida ou às múltiplas declarações em que ele aparece como o Vivente, não deixaremos de opor-lhes as que fazem referência ao Ser. Assim, Javé, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, cuja maneira como se nomeia traduzimos aproximativamente “Eu sou aquele que é”, refere-se com toda a evidência a esse conceito do Ser. O Apocalipse também diz de Deus: “Eu sou o Alfa e o Omega […] Aquele que é, Aquele que era e Aquele que vem, o Todo-Poderoso” (1,8). Observar-se-á igualmente que o conceito de ser intervém no interior das proposições que identificam a essência divina com a Vida, como esta: “Aquele que é vivente”. A fim de afastar desde o início o contrassenso maciço que reduz a essência do Deus cristão ao Ser e, assim, a um conceito do pensamento grego – abrindo caminho para as grandes teologias ocidentais que reduzem o Deus de Abraão ao dos filósofos e dos sábios e, por exemplo, ao de Aristóteles –, convém afirmar que, remetido a seu último fundamento fenomenológico, o conceito de Ser se relaciona à verdade do mundo, não designando nada além de seu aparecimento, de sua iluminação, o que basta para privá-lo de qualquer pertinência concernente à VERDADE do cristianismo, isto é, do próprio Deus. MHSV II