VIDE: O QUE SE CHAMA CRISTIANISMO
René Guénon: APRECIAÇÕES SOBRE A INICIAÇÃO
Willis Barnstone: THE RESTORED NEW TESTAMENT [WBNT]
Por mais de um século, aqueles que buscam por verdades históricas nos textos sagrados e seculares chegaram a duas versões de Jesus: o Jesus do Evangelho e o Jesus Histórico. O dilema em procurar o Jesus Histórico é a constatação crescente do que não pode ser conhecido. Não se conhecem os fatos fundamentais da vida de Jesus — incluindo a natureza de seu nascimento, a seita ou segmento de judeus (essênios, galileus, zelotes, fariseus, hassídicos) cujas visões refletiram sua formação, a causa específica de sua crucificação. Na falta de recursos, busca-se nos evangelhos provar ou desaprovar um evento ou afirmação. Busca-se por elementos especiais dentro da estória do evangelho, e então examina-se evidências arqueológicas em Israel, assim como para corroborar eventos em Homero olha-se para as ruínas de Troia, seus muros, o Labirinto em Creta, o touro de pedra, e até o Hades como um templo arcaico no Epirus do sul. Quanto a documentos patrísticos para confirmar a estória de Jesus, os comentários não levam à história mas de volta aos evangelhos através das convicções e interpretações apaixonadas dos Padres da Igreja dos ditos e atos de Jesus. Qualquer que seja o rigor de uma razão desapaixonada, honestidade, e inteligência imparcial, aplicado a esta busca do Jesus Histórico, permanece o fator limitante que, em investigando milagres, eventos, e conversas íntimas que tiveram lugar em casas, no Sanedrim, e entre Jesus e seus oponentes, não há nenhuma evidência para suportar ou rejeitar este material como um “documento histórico”. Quanto as referências do evangelho a pessoas e eventos no tempo de Jesus, tem-se informações históricas: Romanos no Oriente Médio selêucida; a conquista de Jerusalém por Pompeu em 63; os judeus em Israel, Alexandria e na diáspora ampla; o levante judeu contra os Romanos em 66-70. E esta informação externa nos ajuda a receber o significado das sentenças do evangelho em algum contexto histórico.
Michel Henry [MHSV]
O primeiro traço decisivo da VERDADE do cristianismo é que ela não difere em nada do que ela torna verdadeiro. Nela não há separação entre o ver e o que é visto, entre a luz e o que ela ilumina. E isso porque não há nela Ver nem visto, nenhuma Luz como a do mundo. Desde o início, o conceito cristão da verdade se dá como irredutível ao conceito de verdade que domina a história do pensamento ocidental, da Grécia à fenomenologia contemporânea. Esse conceito tradicional da verdade não determina somente a maior parte das correntes filosóficas que se sucederam até nossos dias, mas, ainda mais, a ideia que temos hoje da verdade tanto no domínio do conhecimento científico como no do senso comum, mais ou menos impregnado do ideal científico. E precisamente quando o conceito cristão da VERDADE cessar de determinar a consciência coletiva da sociedade como o fazia na Idade Média, que seu divórcio da ideia grega de conhecimento e de ciência verdadeira se manifestará com toda a sua força. E a consequência será, senão a supressão do conceito cristão, ao menos seu rechaço no domínio da vida privada, e até no da superstição. MHSV II
Sucede porém que, se a Revelação de Deus não deve nada à verdade do mundo, se sua matéria fenomenológica pura não se identifica com esse horizonte de luz que é o mundo, de modo que não pode mostrar-se neste e nunca nele se mostra, como podemos ter acesso a ela? E, antes de tudo, como podemos pensá-la? Pois o pensamento é tão somente um modo de nossa relação com o mundo. Pensar é sempre pensar algo com que o pensamento se relaciona num ver sensível ou inteligível e, portanto, sob a condição do mundo. Toda forma de conhecimento – e notadamente o método científico de investigação, incluído o método fenomenológico – procede segundo um jogo de implicações intencionais desdobradas a cada vez para alcançar uma evidência e, assim, a um ver. É nesse ver e graças a ele que se constitui toda aquisição de conhecimento. O trabalho aqui empreendido, concernente à VERDADE do cristianismo, isto é, à autorrevelação de Deus, como poderia chegar a algum resultado se ela se furtasse no princípio a toda mira do pensamento, a qual pressupõe sempre a abertura prévia de um mundo? MHSV II
Às definições de Deus como encontrando sua essência na Vida ou às múltiplas declarações em que ele aparece como o Vivente, não deixaremos de opor-lhes as que fazem referência ao Ser. Assim, Javé, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, cuja maneira como se nomeia traduzimos aproximativamente “Eu sou aquele que é”, refere-se com toda a evidência a esse conceito do Ser. O Apocalipse também diz de Deus: “Eu sou o Alfa e o Omega […] Aquele que é, Aquele que era e Aquele que vem, o Todo-Poderoso” (1,8). Observar-se-á igualmente que o conceito de ser intervém no interior das proposições que identificam a essência divina com a Vida, como esta: “Aquele que é vivente”. A fim de afastar desde o início o contrassenso maciço que reduz a essência do Deus cristão ao Ser e, assim, a um conceito do pensamento grego – abrindo caminho para as grandes teologias ocidentais que reduzem o Deus de Abraão ao dos filósofos e dos sábios e, por exemplo, ao de Aristóteles –, convém afirmar que, remetido a seu último fundamento fenomenológico, o conceito de Ser se relaciona à verdade do mundo, não designando nada além de seu aparecimento, de sua iluminação, o que basta para privá-lo de qualquer pertinência concernente à VERDADE do cristianismo, isto é, do próprio Deus. MHSV II