Teolepto da Filadélfia — Seleção de Jean Gouillard
Pensamentos diversos
1. O espírito que foge do mundo exterior e se concentra no interior, retorna a si; une-se, dessa maneira, a seu verbo mental natural e, por esse verbo essencialmente inerente, une-se à oração (euche). Através da oração (euche), eleva-se à ciência de Deus com todo o seu poder e com toda a força do seu amor. Então, a cobiça da carne se dissipa, cessam todas as sensações de prazer, as belezas da terra não têm mais atrativos para ele… a alma (psyche) segue o caminho da beleza de Cristo… vê Cristo, ela o tem presente diante de si… conversa com ele na oração (euche) pura e goza as suas delícias… Porque Deus, por ser assim amado, por ser assim designado, por ser assim chamado a socorrer, acolhe a linguagem da oração (euche) e concede uma alegria inexprimível à alma (psyche) que ora. A alma (psyche) que “se lembra de Deus”, na conversa da oração (euche) “rejubila-se pelo Senhor” ( Sl 77,4 ).
Foge das sensações e destruirás o prazer dos sentidos; foge também das imaginações e destruirás os atrativos dos pensamentos. O espírito que se mantém puro de imaginações, não admitindo impressão nem marca de uma conduta voluptuosa, nem os pensamentos da cobiça, encontra-se na simplicidade. Ultrapassando todo o sensível e o inteligível, ele faz subir o pensamento para Deus, sem nada mais murmurar, no íntimo, além do nome do Senhor, unido a uma lembrança ininterrupta. Come uma criancinha que chame o pai.
3. Adão, nas mãos divinas, passou de pó a alma (psyche) viva, sob o sopro de Deus. Assim também o espírito, modelado pelas virtudes (arete), sofre a mutação divina, graças à invocação frequente do Senhor, murmurada numa inteligência pura e num sentimento fervoroso: ele encontra, na ciência e no amor de Deus, vida e deificação.
Quando uma oração (euche) contínua e sincera vos tiver arrancado à cobiça terrena, quando — será o vosso sono — tiverdes suspendido todo pensamento estranho e estiverdes totalmente fixada apenas na lembrança de Deus, então, como um auxiliar, elevar-se-á em vós o amor de Deus. Pois, o clamor comovido da oração (euche) faz brotar o amor de Deus; o amor de Deus desperta o espírito para desvendar-lhe os segredos. O espírito, então conjugado com o amor, dá seu fruto: a sabedoria; e, pela sabedoria, anuncia as realidades inefáveis. Deus, o Verbo, ternamente chamado através do clamor da oração (euche), retira do espírito a sua intelecção, como uma costela, e dá o conhecimento; preenche o lugar vazio com uma boa disposição. Ele dá a virtude, edifica o amor iluminador e leva-o ao espírito arrebatado pelo êxtase, entorpecido, sem qualquer cobiça terrena.
O amor é o auxiliar do espírito liberte de qualquer apego insensato ao sensível. Ele desperta o espírito, agora puro, para as palavras da sabedoria. O intelecto (nous) percebe-o, rejubila-se e anuncia aos outros, num fluxo de eloqüência… as disposições secretas das virtudes (arete) e as operações invisíveis da ciência.
5. O homem que se aplica a observar os mandamentos, persevera no paraíso da oração (euche) e fica diante de Deus numa lembrança ininterrupta. Deus o livra das influências voluptuosas da carne, de todos os movimentos dos sentidos, de todas as “formas” da inteligência e, fazendo-o morrer para o pecado, faz com que comungue da vida divina…
6. Se conheceis o que salmodiais, recebereis o conhecimento, superior. O conhecimento superior obterá para vós a inteligência. A filha da inteligência é a prática, e a prática tem por fruto o conhecimento habitual. O conhecimento tirado da experiência produz a verdadeira contemplação (theoria); desta nasce a sabedoria que, sob os raios da graça (kharis), preenche a atmosfera interior e manifesta aos profanos as coisas escondidas.
7. Primeiro, o espírito procura e encontra; depois une-se ao. que encontrou. Dirige a procura por meio da razão; opera por amor. A procura da razão opera-se na ordem da verdade; a união do amor, na da bondade.
8. Sois fraca; não deixeis a oração (euche) nem um único dia, enquanto houver em vós um sopro de vida. Escutai aquele que disse: “Quando sou fraco, então é que sou forte” ( 2Cor 12,10 ). Não renuncieis às genuflexões: invocai Cristo interiormente, em cada genuflexão.