Téofano, o Recluso — Conselhos aos Ascetas
Combate espiritual
Desenraizar os vícios e plantar as virtudes: eis aí, em síntese, todo o trabalho ascético do monge. Mas, antes de abordar este tema capital, é preciso enfatizar fortemente um aspecto muito importante desta espiritualidade; nos referimos à idéia, tantas vezes repetida, segundo a qual a reforma dos costumes e a purificação dos vícios não pode levar-se a cabo sem um longa e violenta luta.
Passar do sarx|estado carnal do homem do mundo ao estado espiritual do cristão perfeito, implica necessariamente numa guerra que os ascetas estavam seguros de desenvolver em uma dupla frente. Primeiro tinham que combater os hábitos inveterados do homem velho e destruir as paixões desordenadas que, mais ou menos despertas, aninham-se no fundo do coração humano. Em segundo lugar, deviam lutar contra os demônios. Efetivamente, pelo pecado original, a humanidade inteira se fez escrava do Tentador por antonomásia, e embora Cristo nos tenha resgatado desta funesta escravidão e cada um dos cristãos renuncie solenemente a Satanás ao receber o batismo, os demônios não cessam de fazer guerra a Deus nem de fustigar os homens decididos a abalar efetivamente o antigo jugo.
O espírito e a carne disputam a alma, sede do livre arbítrio e da personalidade. Dom divino, o espírito se identifica com a consciência moral e conduz a alma à oração e contemplação; enquanto que a carne, em si boa, mas imposta à alma depois da queda das essências intelectuais — Orígenes supõe a teoria da pré-existência das almas -, é fonte de tentações. Mas não se limita a isto o combate espiritual, senão que tem dimensões cósmicas. Com efeito, além da carne e do espírito, se interessam pela alma duas classes de seres muito diferentes: os anjos e os demônios. Ao produzir-se a queda das essências intelectuais por causa do diferente uso da liberdade que Deus as havia dotado, umas apenas se afastaram de Deus, e se converteram em anjos, enquanto outras levaram a rebelião até o extremo, e se converteram em demônios e foram precipitadas no profundo do abismo. Entre ambos os mundos, o angélico e o diabólico, se acham as essências intelectuais que não caíram muito além da terra: se converteram em almas e foram dotadas de um corpo humano.
Pois bem, a alma humana pode alcançar o estado angélico com a ajuda de Deus, e dos espíritos bons, mas também é capaz de seguir os maus espíritos e precipitar-se com eles no abismo.
A guerra que os monges devem sustentar é uma guerra interior, espiritual, “imaterial”, uma guerra “invisível”, que, do mesmo modo que combate a inimigos que não se deixam ver — as paixões e os demônios -, é a mais rude e perigosa de todas as guerras.
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