Tardieu Homem Arquétipo

Biblioteca de Nag Hammadi — Eugnostos — Sabedoria de Jesus Cristo
Gnosticismo
Michel Tardieu
Apresentação de M. Tardieu, in SGM, n. 1, 1984. (Trad. em português Álvaro Cunha)
O Homem arquétipo:

Eug, p. 76,13-77,9

Outro princípio de conhecimento é o que diz respeito ao criado. — O primeiro que se manifestou antes do todo no ilimitado é autoconstituído, Pai autocriado, possuidor da plenitude da luz irradiante e indizível.

Ele concebeu desde o princípio que sua similitude devia tornar-se uma grande força.

No mesmo momento, o princípio dessa luz se manifesta enquanto Homem imortal, andrógino. Seu nome masculino é (intelecto e genitor) perfeito.

Seu nome feminino é Sabedoria, totalmente sábia e genitora. Também a chamamos semelhante a seu irmão e a seu cônjuge. Ela é uma verdade irrecusável. Com efeito, aqui em baixo, a verdade é recusada pelo erro que coexiste com ela.

SJC, III, p. 100,16-101,19

Mateus disse-lhe: “Senhor, Salvador, como o Homem se manifestou?” — O Salvador perfeito disse: “Quero que saibais que aquele que se manifestou antes do todo no ilimitado é o Pai autoconstituído e autocriado, possuidor da plenitude da luz irradiante, sendo indizível e tendo concebido desde o princípio que sua forma deveria tornar-se uma grande força.

No mesmo momento, o princípio de luz se manifesta como homem imortal, andrógino, de modo que, por esse Homem imortal, eles (= os homens) possam atingir sua salvação e curados da embriaguez do esquecimento, graças ao intérprete que foi enviado, o qual está convosco até o fim da pobreza dos ladrões.

Sua cônjuge é a sublime Sabedoria, destinada desde a origem para ele (= o Homem), tendo em vista uma syzygie, graças ao Pai autocriado.


O Filho do Homem, rei da corte celeste:

Eug, p. 81,10-21

O Pai, primeiro genitor, é chamado Adão, que pertence à luz.

E a realeza do Filho do Homem está plena de júbilo indizível e de uma alegria inalterável, porque (nela) nos rejubilamos infinitamente em uma alegria indizível, por causa de seu esplendor imperecível, de que jamais ouvimos falar nem se manifestou em todos os eões que vieram a existir e seus mundos.

SJC, III, p. 105,3-106,9

Seus discípulos lhe disseram: “Senhor, faz-nos uma revelação sobre aquele que chamamos Homem, de modo que também possamos conhecer exatamente sua glória”. O Salvador perfeito disse: “Quem tem ouvido para ouvir, que ouça!

O Pai, primeiro genitor, é chamado Adão, o olho da luz, porque ele saiu da luz irradiante com seus anjos santos, indizíveis, sem sombra, rejubilando-se continuamente com a alegria (de estar) em seu pensamento, que eles receberam de seu Pai.

Todo o reino do Filho do Homem, aquele que nós chamamos Filho de Deus, está pleno de júbilo indizível, sem sombra, de alegria inalterável, porque eles se rejubilam com seu esplendor indefectível, de que jamais ouvimos falar até agora nem foi revelado nos eões que vieram após ele e seus mundos.

— Quanto a mim, eu vim do Autocriado e da luz primordial sem fim, para dar a vós o significado de todas as coisas”.

Para encerrar, em um texto que lhe é próprio, eis como a Sabedoria de Jesus Cristo explica a origem do pecado no mundo. A imagem da cortina celeste pertence à tradição judaica, na qual esse véu tem a função de separar Deus de seus anjos, impedindo-os de ter acesso direto a ele. Nos textos gnósticos, essa cortina comumente separa os anjos do mundo inferior. O texto incompleto do Códice III, p. 114,8-24 seria completado pelo do Códice de Berlim, p. 118,11-119,1. O conjunto retoma o tema de Sofia, mãe do demiurgo criado sem o consentimento de seu cônjuge (cf. Apócrifo de João, II, p. 9,25-10,19):

III Maria lhe diz: “Santo Senhor, de onde vieram teus discípulos, para onde vão eles e o que irão fazer nesse lugar?” — O Salvador perfeito disse-lhes: “Quero que saibais que a Sabedoria, a mãe do todo e a cônjuge, desejou por ela mesma que estes viessem a existir sem seu (cônjuge) macho. Mas, pela vontade do Pai do todo, para que seu bem pudesse parecer inacessível, ele criou esse véu entre os imortais e aqueles que vierem após eles (Códice de Berlim), de modo que aquilo que foi determinado a ser acompanha cada eão e o caos, para que se manifeste a deficiência da mulher e que venha a existir (a inteligência-luz), embora o erro tenha decidido combatê-la. E eles tornaram-se cortinas espirituais”.


Notas
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