Tanquerey — Compêndio de Teologia Ascética e Mística
CAPÍTULO V — LUTA CONTRA AS TENTAÇÕES
900. A despeito de todos os esforços que fizermos para desarraigar os vícios, podemos e devemos contar com a tentação, porque nos não faltam inimigos espirituais, a concupiscência (pleonexia, epithymia) , o mundo e o demônio (n. 193-227), que não cessam de nos armar ciladas. É, pois, necessário tratar da tentação, tanto da tentação em geral, como das tentações principais dos principiantes.
ART. I. Da tentação em geral
901. A tentação é uma solicitação para o mal, proveniente dos nossos inimigos espirituais. Exporemos: 1. os fins providenciais da tentação; 2. a psicologia da tentação; 3. a maneira como nos devemos portar na tentação.
I. Os fins providenciais da tentação.
902. Deus não nos tenta diretamente: «Ninguém, quando é tentado, diga: é Deus que me tenta; porque Deus não pode ser tentado por mal algum, e ele próprio a ninguém tenta» 5. Mas permite que sejamos tentados pelos nossos inimigos espirituais, dando-nos, contudo, as graças necessárias para resistir: «Fidelis Deus qui non patietur vos tentari supra id quod potestis, sed faciet etiam cum tentatione proventum». E tem para isso excelentes razões.
1. Quer-nos fazer merecer o céu. Teria podido certamente conceder-nos o céu como um dom; mas quis sabiamente que o merecêssemos como recompensa. Quer até que o prêmio seja proporcionado ao mérito, por conseguinte, à dificuldade vencida. Ora, é indubitável que uma das dificuldades mais penosas é a tentação, que põe em risco a nossa frágil virtude. Combatê-la energicamente é um dos atos mais meritórios: e, depois de, com a graça de Deus, havermos dela triunfado, podemos dizer com S. Paulo que combatemos o bom combate e que só nos resta receber a coroa de justiça que Deus nos preparou. Será tanto maior a honra e a alegria em a possuir quanto mais tivermos feito para a merecer.
903. 2. É, além disso, um meio de purificação. 1) Vem, efetivamente, recordar-nos que, se outrora sucumbimos, foi por falta de vigilância e energia, e assim é para nós ocasião de renovar atos de arrependimento, confusão e humilhação, que contribuem para nos purificar a alma. 2) Obriga-nos, ao mesmo tempo, a fazer esforços enérgicos e constantes, para não recairmos; e assim nos faz expiar as covardias e capitulações passadas, com atos contrários; ora, tudo isto nos torna mais pura a alma. Eis o motivo por que, quando Deus quer purificar mais perfeitamente uma alma, para a elevar à contemplação, permite que ela passe por horríveis tentações, como veremos, ao tratar da via unitiva.
904. 3. É, enfim, um meio de progresso espiritua.
a) A tentação é uma como azorragada. que nos desperta no momento em que íamos a cair no sono da tibieza; faz-nos compreender a necessidade de não parar a meia encosta, senão de pôr a mira mais alto, para se esconjurar mais seguramente qualquer perigo.
b) É também escola de humildade e desconfiança de nós mesmos: compreende-se, então, melhor a própria fraqueza e impotência, sente-se mais a necessidade da graça e ora-se com mais fervor. Vê-se melhor a urgência impreterível de mortificar o amor do prazer, fonte das nossas tentações, e abraçam-se com mais generosidade as pequenas cruzes de cada dia, para se amortecer o ardor da concupiscência (pleonexia, epithymia) .
c) É, enfim, escola de amor de Deus. É que, para resistir com mais segurança, lança-se o homem nos braços de Deus, em busca de força e proteção; e depois, os auxílios que Ele concede não podem deixar de lhe excitar na alma um vivo reconhecimento e de o levar a haver-se com Deus como um filho que em todas as dificuldades recorre ao mais amante dos pais.
Há, pois, na tentação numerosas utilidades, e é por isso que Deus permite que os seus amigos sejam tentados: «porque eras aceito a Deus, diz o anjo a Tobias, foi necessário que a tentação te provasse: quia acceptus eras Deo, necesse fuit ut tentatio probaret fe».
*PSICOLOGIA DA TENTAÇÃO
*COMO PROCEDER NA TENTAÇÃO