Tanquerey Luxúria

Tanquerey — COMPÊNDIO DE TEOLOGIA ASCÉTICA E MÍSTICA
§ II. A luxúria
873. 1. Natureza. Assim como quis Deus que andasse anexo um prazer sensível ao alimento, para ajudar o homem a conservar a vida, assim ligou um prazer especial aos atos pelos quais se propaga a espécie humana.

Este prazer é, conseguintemente, permitido às pessoas casadas, contanto que usem dele para o nobilíssimo fim para que foi instituído o matrimônio, a transmissão da vida; fora do matrimônio, é rigorosamente interdito esse prazer. A despeito dessa proibição, há infelizmente em nós, a partir sobretudo dos anos da puberdade ou da adolescência, uma tendência mais ou menos violenta a experimentar esse prazer, até mesmo fora do matrimônio legítimo. É esta tendência desordenada que se chama luxúria, e é condenada em dois preceitos do Decálogo: 6. Guardar castidade nas palavras e nas obras; 9. Guardar castidade nos pensamentos e nos desejos.

Não são, pois, somente proibidos os atos externos, senão também os atos internos consentidos, imaginações, pensamentos, desejos. E com toda a razão: porque, se alguém se demora, de propósito deliberado, em imagens, em pensamentos desonestos, ou em maus desejos, logo os sentidos se perturbam, produzindo-se movimentos orgânicos, que muitas vezes serão prelúdio de atos contrários à pureza. Quem quiser, pois, evitar esses atos, tem de combater pensamentos e imaginações perigosas.

874. 2. Gravidade destas faltas. A) Toda a vez que se quer ou procura diretamente o prazer mau, o prazer voluptuoso, há pecado mortal. É que, de fato, é gravíssima desordem pôr em risco a conservação e propagação da raça humana. Ora, uma vez que se assentasse como princípio, que é lícito procurar o prazer da carne em pensamentos, palavras ou ações fora do uso legítimo do matrimônio, seria impossível pôr freio ao furor desta paixão, cujas exigências aumentam com as satisfações que se lhe concedem, e dentro em breve seria frustrado o fim do Criador. É isto, afinal, o que mostra a experiência: quantos jovens não há que se tornaram incapazes de transmitir a vida, porque abusaram do seu corpo! Assim, pois, no prazer mau, diretamente querido, não há ligeireza de matéria.

B) Há casos, porém, em que esse prazer, sem ser diretamente procurado, se produz em conseqüência de certas ações, aliás boas, ou ao menos indiferentes. Se não se consente nesse prazer, e, por outro lado, há razão suficiente para praticar a ação que o ocasiona, não há culpa, e, por conseguinte, não há que recear. Se, porém, os atos que determinam essas sensações, não são nem necessários nem seriamente úteis, tais como as leituras perigosas, as representações teatrais, as conversas levianas, as danças lascivas, é evidente que entregar-se a essas coisas é pecado de imprudência mais ou menos grave, segundo a gravidade da desordem assim produzida e do perigo que há de consentimento.

875. C) Sob o aspecto da perfeição, não há, depois do orgulho, obstáculo maior ao progresso espiritual que o vício impuro, a) Solitárias ou cometidas com outras pessoas, não tardam essas faltas em produzir hábitos tirânicos, que paralisam todo o ardor para a perfeição e inclinam a vontade para as alegrias grosseiras. Gosto da oração, desejo de qualquer virtude austera, aspirações nobres e generosas, tudo isso desaparece. b) A alma é invadida pelo egoísmo: o amor, que se tinha para com os pais ou amigos, estiola-se e desaparece quase completamente; não resta mais que o desejo de gozar, a todo o preço dos prazeres maus: é uma verdadeira obsessão, c) Rompe-se, então, o equilíbrio das faculdades: é o corpo, é a volúpia que manda; a vontade torna-se escrava desta ignominiosa paixão, e dentro em breve revolta-se contra Deus, que proíbe e castiga esses prazeres maus.

d) Os tristes efeitos desta abdicação da vontade bem depressa se fazem sentir: a inteligência embota-se e enfraquece, porque a vida desceu da cabeça para os sentidos: desapareceu o gosto dos estudos sérios; a imaginação já não pode representar senão baixezas; o coração murcha pouco a pouco, seca, endurece, não tem outros encantos senão os prazeres grosseiros, e) Muitas vezes até o próprio corpo é profundamente atingido: o sistema nervoso, sobreexcitado por estes abusos, irrita-se, enfraquece e «torna-se impróprio para a sua missão de regulação e defesa»1; os diversos órgãos já não funcionam senão imperfeitamente; a nutrição faz-se mal, as forças enfraquecem, não anda longe a tuberculose.

É evidente que uma alma assim desequilibrada, a animar um corpo débil, não só não pode pensar mais em perfeição, senão que de dia para dia se afasta dela para mais longe. Muito feliz será ela; se puder entrar em si a tempo de assegurar ao menos a salvação.

Importa, pois, indicar alguns remédios para este vício grosseiro.