Tanquerey Inveja

Tanquerey — COMPÊNDIO DE TEOLOGIA ASCÉTICA E DOGMÁTICA
§ II. A inveja
845. A inveja é, ao mesmo tempo, paixão e vício capital. Como paixão, é uma espécie de tristeza profunda que se experimenta na sensibilidade à vista do bem que se observa nos outros; esta impressão é acompanhada duma constrição do coração que lhe diminui a atividade e produz um sentimento de angústia.

Aqui ocupamo-nos sobretudo da inveja, enquanto vício capital, e exporemos: 1. a sua natureza; 2. a sua malícia: 3. os seus remédios.

846. 1. Natureza. A) A inveja é uma tendência a entristecer-se do bem de outrem, como se fosse um golpe vibrado à nossa superioridade. Muitas vezes é acompanhada do desejo de ver o próximo privado do bem que nos faz sombra.

Nasce, pois, do orgulho este vício, que não pode tolerar superiores nem rivais. Quando um está convencido da própria superioridade, entristece-se, ao ver que outros são tão bem ou melhor dotados que ele, ou que ao menos alcançam maiores triunfos. Objeto da inveja são sobretudo as qualidades brilhantes; contudo em homens sérios também o podem ser as qualidades sólidas e até a virtude.

Manifesta-se este defeito pela mágoa que um sente, ao ouvir louvar os outros; e então procura-se atenuar esses elogios, criticando os que são louvados.

847. B) Muitas vezes confunde-se a inveja com o ciúme; quando se distinguem, define-se este como um amor excessivo do seu próprio bem, acompanhado do temor de que nos seja arrebatado por outros. Este era, por exemplo, o primeiro do seu curso; notando os progressos dum condiscípulo, começa a ter-lhe ciúme, porque receia que ele lhe leve o primeiro lugar. Aquele possui a afeição dum amigo: começando a temer que ela lhe seja disputada por um rival, entra a ter ciúmes. Aquele outro tem uma numerosa clientela, e entra a recear que ela diminua por causa dum concorrente. Daí aquele ciúme que por vezes grassa entre profissionais artistas, literatos, e às vezes até sacerdotes. — Numa palavra, tem-se inveja do bem de outrem e ciúme do seu próprio bem.

C) Há diferença entre a inveja e a emulação: esta é um sentimento louvável que nos leva a imitar, igualar, e, se possível for, a sobrepujar as qualidades dos outros, mas por meios leais.

848. 2. Malícia. Pode-se estudar esta malícia em si e nos seus efeitos.

A) Em si, é a inveja pecado mortal, de sua natureza, porque é diretamente oposto à virtude da caridade, que exige nos regozijemos do bem dos outros. Quanto mais importante é o bem que se inveja, tanto mais grave é o pecado; e assim, diz S. Tomás ter inveja dos bens espirituais do próximo, entristecer-se dos seus progressos ou dos seus triunfos apostólicos é gravíssimo pecado. É isto verdade, quando estes movimentos de inveja são plenamente consentidos; muitas vezes, porém, não passam de impressões, ou sentimentos irrefletidos, ou ao menos pouco refletidos e voluntários: neste último caso, não passa de venial a falta.

849. B) Nos seus efeitos, é a inveja muitas vezes sobremaneira culpável:

a) Excita sentimentos de ódio: corre-se risco de odiar aqueles de que se tem inveja ou ciúme, e, por consequência, de falar mal deles, de os desacreditar, caluniar, ou de lhes desejar mal.

b) Tende a semear divisões, não somente entre estranhos, mas até no seio das famílias (recorde-se a história de José), ou entre famílias aliadas; e estas divisões podem ir muito longe e criar inimizades e escândalos. É ela que por vezes divide os católicos duma região, com grandíssimo detrimento do bem da Igreja.

c) Impele à conquista imoderada das riquezas e das honras: para sobrepujar aqueles a quem tem inveja, entrega-se o invejoso a excessos de trabalho, a manobras mais ou menos leais, em que se encontra comprometida a honradez.

d) Perturba a alma do invejoso: não há paz nem sossego, enquanto se não consegue eclipsar, dominar os próprios rivais; e, como é muito raro que se chegue a alcançá-los, vive-se em perpétuas angústias.