Suso Vida

GIUSEPPE FAGGIN — MEISTER ECKHART E A MÍSTICA MEDIEVAL ALEMÃ
“VIDA”
Tem ainda maior interesse psicológico-místico a Vida, um dos documentos mais preciosos de todas as épocas, cuja autenticidade foi e ainda é discutida por críticos autorizados. São contrários à sua autenticidade: H. Denifle, K. Rieder, H. Lichtenberger, H. Heller, E. Krebs, G. Schnürer, I. Bernhart; por outro lado, mas com fundamentos mais sólidos, lhe são favoráveis: K. Biehlmeyer, M. Pflanzer, R. Senns, L. Thimme, X. de Hornstein, W. Lehmann, A. Gabele, G. Gröber. Pelo prólogo sabemos que foi composta em grande parte por Isabel Stagel, quem escreveu todas as notícias que conseguiu extrair de Suso sobre o começo e o desenvolvimento de sua vida espiritual, suas práticas e erros. Depois de algum tempo quando se deu conta deste roubo espiritual, Suso, como castigo, a obrigou a entregar-lhe o que havia escrito e, assim que o conseguiu, queimou tudo. Em seguida, quando teve a outra parte, quis fazer o mesmo, mas uma advertência divina o impediu de cumprir seu propósito. Só depois da morte de Isabel Stagel (1350 ou 1360) Suso agregou, em sua memória, algumas outras boas ensinanças. Especialmente pela “Vida”, podemos conhecer os aspectos essenciais de sua personalidade de místico autêntico. Se a experiência mística significa sobretudo passividade interior e abandono total (Gelassenheit) a uma necessidade divina irresistível, Suso é um místico autêntico, ainda que ao interpretar conscientemente suas personalíssimas experiências continue fiel à doutrina de Eckhart. Toda a sua vida é guiada e arrastada por uma Necessidade secreta; suas ações mais decididas e mais importantes obedecem ao mandado de visões e ordens interiores; divinas inspirações o salvam nos momentos mais sombrios. Com frequência, durante a noite ou ao amanhecer, geralmente depois de uma profunda meditação, sonha de olhos abertos: uma intuição intelectual se eleva do fundo de sua inconsciência e se corporaliza diante dele, tomando uma forma e sugerindo à sua alma de artista maravilhosos símbolos de verdade. Todos os elementos que os estudiosos do misticismo consideram como essenciais do estado teopático, se encontram reunidos aqui: o sentimento contínuo de exaltação beatífica, o sentimento da emoção divina que estimula do íntimo, a absorção do eu pessoal na “inefável presença”, as alucinações musicais e visuais. Suso não é dono de sua vida senão que está dominado pela Vida divina e pendente dela.

A posição de Suso — o mais “cristão” dos místicos da escola eckhartiana na história do misticismo alemão — não se limita a um capítulo de psicologia mórbida e anormal e nem a um breve momento na história do neoplatonismo eckhartiano. Suso foi também desenhista e ilustrou com a pena suas próprias obras; mas se, como parece, não se deve atribuir excessiva importância a estes pequenos trabalhos de amador, é necessário reconhecer que o fervor descritivo de suas visões e o culto poético da Paixão contribuíram para inspirar a pintura religiosa da escola de Bodensee do século XIV. Ele, Minnesänger na prosa, como o Juglarde Cristo na Itália, vivificou os corações e alimentou as fantasias criadoras. Se o grande Eckhart deve colocar-se, na história dos valores espirituais, ao lado de Plotino, de Agostinho e de Spinoza, Suso deve fazer parte do grupo dos Novalis e dos Hölderlin, isto é, daqueles que buscaram e encontraram Deus na linguagem das formas e da vida.