FREI SANDRO GRIMANI — A LINGUAGEM SIMBÓLICA A SERVIÇO DA VIDA ESPIRITUAL EM S. JOÃO DA CRUZ
A linguagem revela a riqueza de um pensamento o qual, além do significado gramatical e técnico das coisas, consegue captar e exprimir a beleza que flui de valores ocultos, que se tornam vivos e palpitantes por meio de uma representação figurada e simbólica. De fato, a metáfora cria uma passagem de um campo a outro motivada por uma certa semelhança de relações e de significados entre uma realidade e outra: neve, branco, candura, imaculado; gelo, frio, gelado, sem vida.
Todas as figuras de retórica, procedimento através do qual se modificam imagens, palavras e construções para dar força e colorido aos discursos, baseiam-se em um nexo de semelhança entre as coisas estudadas, analisadas e descritas. Por isso, Aristóteles tratando do valor da metáfora analógica, afirma que “Para utilizar a metáfora com habilidade é necessário entender e distinguir bem as diferenças e as semelhanças”, como no exemplo “A noite é a velhice do dia e a velhice é a noite do dia”, (cit. Francisco Filipak, “Teoria da Metáfora”, Ed. HDV, 1984, pág. 93)
Dessa declaração emergem, de modo implícito, a importância e a função do raciocínio lógico que sabe colher os elementos comuns presentes nas diversas dimensões da realidade transferindo-os para outros contextos semelhantes; o veneno da calúnia associa dois conceitos parecidos: morte física e morte moral, o veneno que provém da picada da serpente e o da língua do maledicente.
O fundamento da linguagem metafórica é constituído de características comuns existentes em realidades distintas que embora guardando sua peculiaridade são capazes de evocar associações de conceitos e de valores. O pé do homem e o pé da mesa denotam uma semelhança apenas enquanto podem lembrar uma relação de apoio, de equilíbrio e de estabilidade; quanto ao resto, tudo permanece diferente e bem distinto.
A função do raciocínio por analogia se efetiva em descobrir, evocar e focalizar aspectos complementares e implícitos existentes em realidades conhecidas ampliando-os e estendendo-os na busca de coisas desconhecidas. A utilidade desse procedimento se manifesta não apenas na literatura e, de modo particular, na poesia, mas também e sobretudo na especulação filosófica e teológica. A linguagem metafórico-analógica não só enriquece o discurso e o embeleza, mas também concorre para a descoberta e compreensão de novas luzes e valores, disseminados no universo do cognoscível.
Observando-se com atenção a realidade circunstante: aquilo que distingue uma coisa pode ser encontrado em outra e, assim, é fácil reunir e ligar imagens, significados e ideias em uma associação de contiguidade e semelhança.
Uma porta que se abre e se fecha girando sobre seus eixos pode parecer um fato sem importância mas, subitamente, pode transformar-se em exemplo clássico das amplas possibilidades da linguagem figurada, metafórica e analógica.
“Eis uma comparação: uma porta que se abre e se fecha girando sobre um eixo. Agora comparo a parte externa da porta ao homem exterior e o eixo, ao homem interior; então, conforme quem se abre ou se fecha, a porta exterior gira para cá e para lá embora o eixo se mantenha imóvel em seu lugar, sem nunca mudar. É a mesma coisa que, se compreende bem. . .” (Maître Eckhart, “Les Traités”, Ed. du Seuil, 1971, pág. 166)
A beleza e a simplicidade da comparação lembram e elucidam os dois aspectos fundamentais da vida humana: o eu que permanece o mesmo e as atividades que o realizam, atuando e operando. A Unidade e a diversidade de dois aspectos complementares são representadas e expressas sob a forma de metáforas e analogias, completas e perfeitas, o que favorece também a compreensão acerca da possível coexistência da divindade e da natureza humana na vida de Jesus Cristo, sendo uma perfectível e evolutiva e a outra, imutável e eterna.