Jean Daniélou — PLATONISMO E TEOLOGIA MÍSTICA
Símbolos das Vias
Gregório realiza a transposição de símbolos das três vias no Êxodo e no Cântico: “Depois de a alma se afastou (apostesasa) de seu apego ao mal, ela desejou aproximar sua boca da fonte de luz (te pege tou photos) pelo beijo místico (mystikon philematos): isto lhe concedeu sua beleza. Então, tendo percorrido (diadramousa) todo o visível (to phainomenon) e tendo atravessado como a pomba, ela começou por se repousar à sombra (te skia) da macieira — a macieira substitui a nuvem para designar aquilo que obscurece — e agora ela está envolta pela noite divina (theias nyxtos) na qual o esposo se aproxima, mas não aparece” (XLIV, 100 B ).
Dupla ideia da “separação” e da “iluminação”. Encontram-se expressas por termos análogos. Já encontramos apostenai e phos. Aqui se trata da separação do mal (kakos), que mostra bem a equivalência com a separação do erro. O texto fala da “alma que lavou pela água o negrume da ignorância (tes agnoias)” (XLIV, 1001 B ). Aparece a forte relação com o Batismo, pelo triplo simbolismo da “fonte de luz”, da “água” que lava o erro e do “beijo místico”, onde o termo mystikon pode ser traduzido por sacramental. Assim a primeira via tem por termo a restauração da beleza, quer dizer a apatheia.
A segunda via consiste essencialmente em uma travessia (diadramousa, diaptasa) pela qual a alma passa do mundo visível (phainomenon) ao mundo invisível. É o caminho da corrida (eudromon, diadramousa) ou do voo (diaptasa). Há também o obscurecimento do mundo visível, relacionado à macieira (to melon), este uma figura do Verbo (XLIV, 844 A-C ). Por último a alma é assemelhada à pomba (leveza da alma desapegada da vida sensível pela apatheia, que nada impede a ascensão — to takos -, mas também à graça do Espírito Santo) e ao cavalo (mito de Fedro e do coche alado que leva a alma para a “abóbada que está acima do céu”.
Expressões mistéricas para a via mística: “Que significa a iniciação (mystagogia) da alma por esta noite? (tes nyktos)” (XLIV, 1001 C ). Domínio da noite divina (theia nux)que equivale às trevas do Sinai. Distinção do phainetai e do paraginetai. Deus não aparece jamais (ou phanetai), não se manifesta como coisa que a phantasia, o entendimento, possa tomar posse (katalambanein), mas é como pessoa, quer dizer como uma presença. E toda via mística está aí, nesta ideia de uma noite dos sentidos e dos conceitos na qual a presença de Deus se faz mais e mais próxima (paraginetai). Estamos além do conhecimento natural (exo ton phainomenon, ou phainetai), em uma relação de pessoa a pessoa entre alma e Deus.
Na última passagem do Comentário sobre os Cânticos, Gregório põe em relação as três vias com três disposições distintas, o temor, a esperança e o amor; estas expostas no mesmo contexto que fala dos três livros de Salomão, e assim afirmando sua relação com as vias: “Em alguns a salvação é operada pelo temor; em outros participam à virtude não por amor, mas na espera por recompensas; mas aquele que se elevou à perfeição rejeita o temor, desdenha as recompensas e ama (agape) de todo seu coração. Esta salvação pelo amor (di agapes — vide agape) que nos expõe o Cântico” (XLIV, 765 B ). Relação expressa entre a terceira via e o agape. Para Clemente de Alexandria ou Origenes, o agape entra junto com a apatheia nas virtudes (arete) da primeira via, a praktike. Que subversão Gregório aplica no sistema de Orígenes… Para a sucessão praxis, theoria, ele substitui um paralelismo: as três vias apresentam cada uma uma aspecto “prático” e um aspecto “contemplativo”. E ainda mais, na terceira via, é o aspecto “prático”, a agape, que é essencial.
O início da vida espiritual apresenta o duplo aspecto da “separação” e da “iluminação”. O “despojamento das roupas de pele” figura as “opiniões erradas”, e a iluminação da alma pela Sarça Ardente, quer dizer o Verbo Encarnado, nos lembra o dito anteriormente. A travessia do deserto, sob a condução da nuvem, nos coloca na segunda via, que objetiva desafetar a alma das coisas terrestres (os alimentos egípcios) e acostumá-la a exercer a via da fé. O termo da ascensão do Sinai, a entrada nas trevas nos leva à vida mística. As passagens de uma via a outra são pouco claras.
A entrada na via espiritual, enquanto renúncia do mal, do erro e do mundo, e iluminação pelo Verbo, tem como progresso nesta via a katharsis, a purificação das paixões (pathos), sendo seu termo a apatheia, a paz e a liberdade espirituais recuperadas.