Então alguns dos escribas e dos fariseus tomaram a palavra, dizendo: Mestre, quiséramos ver da tua parte algum sinal. Mas ele lhes respondeu, e disse: Uma geração má e adúltera pede um sinal, porém, não se lhe dará outro sinal senão o do profeta Jonas; (Mt 12:38-39)
E, chegando-se os fariseus e os saduceus, para o tentarem, pediram-lhe que lhes mostrasse algum sinal do céu. Mas ele, respondendo, disse-lhes: Quando é chegada a tarde, dizeis: Haverá bom tempo, porque o céu está rubro. E, pela manhã: Hoje haverá tempestade, porque o céu está de um vermelho sombrio. Hipócritas, sabeis discernir a face do céu, e não conheceis os sinais dos tempos? Uma geração má e adúltera pede um sinal, e nenhum sinal lhe será dado, senão o sinal do profeta Jonas. E, deixando-os, retirou-se. (Mt 16:1-4)
Jesus principiou assim os seus sinais em Caná da Galileia, e manifestou a sua glória; e os seus discípulos creram nele. (Jo 2:11)
Responderam, pois, os judeus, e disseram-lhe: Que sinal nos mostras para fazeres isto? (Jo 2:18)
E, estando ele em Jerusalém pela páscoa, durante a festa, muitos, vendo os sinais que fazia, creram no seu nome. (Jo 2:23)
O que se denomina ‘milagre” (do latim mirari: aquilo que surpreende, de que se admira), ou “prodígio”, isto que o Novo testamento chama melhor de “sinal” (semeion) não é, no que concerne o rabi palestino Ieschoua, uma operação que viola as “leis naturais”, nem o “determinismo” destas leis. Os únicos “milagres” do rabi Ieschoua são curas, e não importa quais curas. Os milagres do rabi são regenerações. Se aquilo que as numerosas tradições relatam dele é verdadeiro, então ele tinha o poder de regenerar aquilo que estava enfermo, de re-informar, de dentro, o que esta deformado, e de restabelecer as “leis naturais” fisiológicas deterioradas. Em suma, ele tinha – se as tradições são exatas – o poder de recriar, de reorganizar o que tinha sido organizado e que se desorganizou. Claude Tresmontant L’enseignement de Ieschoua de Nazareth.
Sinais e Fé
Joaquim Carreira das Neves, “Escritos de São João”
Segundo Jo 20, 30-31, os sinais de Jesus têm por fim conduzir os leitores a acreditarem que Jesus é o Messias e o Filho de Deus e, assim crendo, tenham a vida n’Ele. Existe, pois, uma relação muito íntima entre os sinais e a fé e, entre a fé e a VIDA. Dito isto, há que perguntar: 1) O que são os sinais? 2) Qual a função dos sinais? 3) Qual a relação entre os sinais e a fé?
Em João, de modo um pouco diferente dos Sinópticos, sinal é um ato que confirma a verdade daquilo que Jesus disse ou revelou. Nos Sinópticos, sinal é um ato extraordinário vindo do céu (Mc 8, 11: “Apareceram os fariseus e começaram a discutir com ele, pedindo-lhe um sinal do céu para o pôr à prova”; cf. Mc 13, 4.22). Assim se explica que nos Sinópticos, os sinais sejam classificados em grego como dynamis-dynameis (poder-poderes ou força-forças extraordinárias), enquanto que em João semeion — semeia (sinal-sinais). Nos Sinópticos, o sinal confunde-se com o milagre, enquanto que em João tanto pode ser o “milagre” como outra ação.
No AT, o sinal é uma ação profética que significa uma intervenção divina de bênção ou de castigo (Is 7,14; Jr 13,12-14; 16, 1ss; 18, 1ss; 19, 1ss; 32, 8-16). Em João, este sentido também aparece, mas, geralmente, o sinal joânico tem sempre um sentido positivo, de bênção, por um lado, e de revelação, por outro lado. Os milagres (bodas de Caná, cura do filho do centurião romano, cura do paralítico de Betzatá, cura do cego de nascença, ressuscitação de Lázaro), são sinais do poder de Jesus conferir VIDA. E, como já vimos, é natural que, na primeira camada redacional do evangelho, existisse, de maneira autônoma, um evangelho dos sinais-milagres, bem à maneira da tradição sinóptica. Por isso se lê em 12, 37: “Embora Jesus tivesse realizado diante deles tantos sinais, não criam nele”. A este final juntar-se-ia o final de 20, 30-31.
Notemos também que João usa a palavra erga (obras) para a atividade mais vasta de Jesus, geralmente relacionada com a atividade conjunta com o Pai (4, 34; 5, 20.36; 6, 28-29; 7, 3.21; 9, 3. 4; 10, 32.37; 14, 12; 15, 24; 17, 4). Também estas obras de Jesus têm por objectivo a fé dos ouvintes (6, 29: para que acrediteis; 10, 37-38: “Se não faço as obras do meu Pai, não creiais em mim; mas se as faço, embora não queirais crer em mim, crede nas obras…”). E esta causalidade entre obras e fé que leva Jesus a dizer em 14,12: “Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim também fará as obras que realizo, e fará obras maiores do que estas, porque eu vou para o Pai.”
Se os “sinais” e as “obras” se relacionam com a “fé”, todas as ações de Jesus no evangelho de João, que tenham a ver direta ou indiretamente com a fé, devem ser vistas como sinais. Assim acontece com a purificação do Templo (2,21 :”Por isso, quando Jesus ressuscitou dos mortos, os seus discípulos recordaram-se de que ele o tinha dito e creram na Escritura”), com a ressuscitação de Lázaro (11, 42:”… para que venham a crer que tu me enviaste”), com a crucificação (19,35:”E ele bem sabe que diz a verdade, para vós crerdes também”).
Embora o quarto evangelho se divida em duas partes: o livro dos sinais (Jo 1-12) e o livro da hora (Jo 13-20), a verdade é que toda a atividade de Jesus se pode incluir como um grande SINAL a ser descoberto pela fé. E se os sinais-milagres têm por fim dar a vida física e os sinais-dons (bodas de Caná e multiplicação dos pães e dos peixes) a vida da abundância messiânica, todos os “sinais” e todas as “obras” desaguam na VIDA da fé para a VIDA ETERNA. Neste particular é importante repararmos nos “sinais-dons” das bodas de Caná e da multiplicação dos pães e dos peixes, se tivermos em conta as tradições judaicas sobre os tempos da abundância messiânica em relação ao vinho (1Henoc 10, 19; 2 Apc. Bar. 29, 5) e ao pão-maná. Assim como Deus é o Senhor da VIDA, também o seu Filho e Messias se junta ao Pai e Criador para renovar esta VIDA física e espiritual — a vida da abundância divina em todo o seu sentido.
Parece estranho que Jo 4,48 apresente Jesus contrário aos sinais: “Se não virdes sinais extraordinários e prodígios, não credes”. Mas já sabemos que a cura do filho do funcionário real (Jo 4,46,54) pertence à primeira camada redacional do evangelho, de acordo com os Sinópticos, que tem como pano de fundo a cristologia sinóptica do segredo messiânico, ao contrário da cristologia joânica fundamentada no grande sinal da glória de Jesus (1, 14: “E o Verbo fez-se homem / e veio habitar connosco. / E nós contemplamos a sua glória, / a glória que possui como Filho Unigênito do Pai, /cheio de graça e de verdade”). E se a fé anda ligada aos sinais, mormente ao grande sinal da Cruz, não admira que muitos não acreditem em Jesus como o sinal maior do Pai (12, 37-38; 9, 24-29). A afirmação de 9,39 resume muito bem este drama e dialéctica:”Eu vim a este mundo para proceder a um juízo: de modo que os que não veem vejam, e os que veem fiquem cegos.” A fé não depende diretamente dos sinais visíveis ou exteriores de Jesus, embora tais sinais, quando vistos à luz do Espírito, sejam importantes e decisivos, como acontece com a pessoa do discípulo amado, em contraste com a figura de Pedro (20, 8; 21, 7). E é por isso mesmo que o sinal maior de Jesus, em função da fé, continua sempre em aberto para além da sua vida terrena (20, 29: “Porque me viste, acreditaste. Felizes os que creem sem terem visto!”).
Juan Mateos & Juan Barreto
Excertos de “Vocabulário Teológico do Evangelho de São João”, de Juan Mateos e Juan Barreto
A interpretação dos sinais, a) Segundo a disposição de quem os percebe, os sinais podem-se interpretar como simples fatos (cf. 7,3: Essas obras que fazes) ou como verdadeiro sinal. Contudo, as obras de Jesus são sempre sinais, pois dão testemunho de que é o enviado do Pai (Jo 5,36).
b) Nem todas as interpretações que os espectadores dão dos sinais correspondem ao seu verdadeiro sentido, por não se aplicar o verdadeiro critério de interpretação. Assim, diante do gesto messiânico de Jesus no templo, que ele denuncia como idolátrico (Jo 2,16), os discípulos recordam um texto da Escritura (Jo 2,17: a paixão por tua casa me consumirá), que interpretam de zelo com o de Elias: veem em Jesus um Messias reformador, que utilizará a violência.
Os sinais que Jesus realiza em Jerusalém durante aquelas festas da Páscoa, que continuam o gesto do templo, provocam a adesão de muitos; mas esta adesão, baseada em interpretação falsa (não na chave de glória/amor), faz com que Jesus não confie neles (Jo 2,23-25).
O fariseu Nicodemos, por seu lado, deduz dos sinais que Jesus é Messias-mestre (Jo 3,2) a serviço da Lei, reformador que se apoia nela. É incapaz de compreender as palavras de Jesus, que demonstram o propósito do seu amor já expresso em Caná: a comunicação do Espírito ao homem a fim de tirá-lo de sua condição de “carne” (Jo 3,6).
Os sinais de Jesus com os fracos-enfermos, tirando-os de sua prostração (Jo 5,3ss), despertam a esperança de multidões que o seguem (Jo 6,2). Na proximidade da segunda Páscoa (Jo 6,4), o sinal dos pães interpreta-se de duas maneiras: uns identificam Jesus com “o Profeta que tinha que vir ao mundo” (Jo 6,15), maior do que Eliseu (Jo 6,9: pães de cevada; cf. 2Rs 4,42-44); outros pretendem fazê-lo rei, segundo a ideia messiânica tradicional de chefe do povo (Jo 6,15). Esta segunda interpretação é rechaçada por Jesus, que se retira de novo ao monte (Jo 6,15). Mais tarde, a multidão o busca por próprio interesse, e não pelo significado do sinal (Jo 6,26); daí a censura de Jesus (Jo 6,36).
Na proximidade da terceira Páscoa, a multidão sai de Jerusalém ao encontro com Jesus, atraída pelo sinal que realizou com Lázaro (Jo 12,18). Interpreta-o como sinal messiânico e aclama em Jesus o rei de Israel, um Messias que há de durar para sempre (Jo 12,34); interpretam “a glória do Homem” (Jo 12,23) em chave de poder real e não aceitam o Messias que dá a vida pelo povo (Jo 12,32; cf. 11,50; 18,14).
c) Os sinais de Jesus, todos expressões do seu amor, manifestam o seu desígnio: terminar o homem infundindo-lhe o Espírito, a força do amor (Caná); dar-lhe vida (Jo 4,50), integridade e liberdade (Jo 5,8s), dar-lhe dignidade e independência pelo amor que se expressa no compartilhar e no serviço mútuo (Jo 6,10s); iluminá-lo para dar-lhe o valor, a identidade e a independência diante do seu opressor (Jo 9,1ss): tudo isso incluído no dom de uma vida que supera a morte (Jo 11, 1s). Quer levar o homem ao seu pleno desenvolvimento, segundo o projeto divino.
Pelo contrário, as interpretações que se propõem têm por denominador comum a dependência de um líder: o Messias reformador mediante a violência (Jo 2,17) ou mediante a Lei; o rei que assegura aos súditos o sustento (Jo 6,15); o rei que com sua autoridade muda a situação em favor dos oprimidos (Jo 12,12ss). As ideologias, cujo protótipo é a Lei (Jo 12, 34), fizeram com que o homem renuncie ao desejo de ser livre.
O grande sinal. Como se anuncia em Caná (Jo 2,4: a minha hora), o grande sinal de Jesus será a sua cruz; por isso é objeto de testemunho particular e solene (Jo 19,35: O que o viu pessoalmente deixa testemunho). A glória-amor que se manifesta na cruz é simbolizada pelo sangue (o amor demonstrado) e pela água (o amor comunicado, o Espírito) que saem do lado de Jesus. É o sinal do Homem levantado ao alto, de que irradia a vida (Jo 3,14s). Daí vem que a comunidade se identifique com o grupo que contempla sua glória (Jo 1,14; 17,24) e participe dela (Jo 1,16).
A morte-exaltação de Jesus integra e explica os sinais anteriores. Uma vez que o evangelista completou com este último e grande sinal, ele caracteriza sua obra como “livro dos sinais” (Jo 20,30).