CITAÇÕES: Ex 3:1-6; Evangelho de Jesus — Mc 12:26, Lc 20:37
A ontologia da Sarça Ardente nos permitirá aprender algo do mistério da sophrosyne e de apreender como a castidade ontológica, aparentemente tão afastada da castidade no sentido ordinário (corporal ou psíquica), não é menos a “norma”, a razão de ser, o fundamento essencial, a regra suprema sem a qual a castidade ordinária é incompreensível, ilusória e mesmo farisaica.
Utilizaremos o comentário de Gregório de Nissa sobre a vida de Moisés. Depois de ter relembrado a necessidade da purificação, simbolizada no relato bíblico pela retirada das sandálias, São Gregório escreve: “Quando tivermos feito isto, o conhecimento da verdade se manifestará por si mesmo. Com efeito, o conhecimento daquilo que é, resulta da purificação da opinião que porta sobre o que não é. É segundo entendo a definição da verdade de ser uma apreensão certa do ser; o erro é uma ilusão que se produz no espírito e que dá a aparência de existir ao que não é; a verdade ao contrário é a firme apreensão do que é… O que Moisés, à luz da teofania, me parece ter compreendido então, é precisamente que nenhuma das coisas que se dão aos sentidos ou que são contempladas pela inteligência não subsistem realmente, mas somente o ser transcendente e criador do universo a quem tudo está suspenso”.
Assim aparece claramente “a ontologia da Sarça Ardente” em perfeita conformidade com o texto bíblico; Moisés demandando a Deus qual é seu nome, Ele responde: “Eheieh asher Eheieh” (Ex III,14) que se pode traduzir por: Eu sou o que sou, ou melhor por “o Ser é o Ser” (afirmação do princípio de identidade em lógica). Em outros termos, fora do Ser nada há. Em outros termos, fora do Ser nada há. Mas continuemos a ler São Gregório:
“Qualquer que seja com efeito fora dele (o Ser) o ser (criado) para o qual a inteligência se volta, ela não encontra nele esta suficiência que lhe permitiria existir fora desta participação ao ser. Mas o que é imutável, que não está nem sujeito ao crescimento nem a diminuição, que é refratário a toda modificação… que se basta perfeitamente a si mesmo, que é só desejável, do qual todo o resto participa e que não sofre diminuição do fato desta participação (Platão, Banquete 211a-b), isso é verdadeiramente Aquele que é realmente, e sua apreensão é o conhecimento da verdade.
Nesta última frase, apreende-se exatamente em que consiste a sophrosyne, a castidade ontológica: o Ser, do qual todos os outros participam, não é afetado pelo fato desta participação,e permanece imutável em sua Aseidade essencial, isto apesar da Sarça Ardente que queima sem se consumir e da Theotokos que dá à luz sem perder sua virgindade.
Mencionemos enfim que o mistério ontológico é também aquele do Conhecimento: a identidade do Ser e do Conhecer é afirmada no Eheieh asher Eheieh, a identidade do Conhecido e do Conhecedor pelo Conhecimento; é “o Ser que se conhece a si mesmo por si mesmo”. O ser humano que realiza efetivamente o conteúdo do Mistério, se torna ele mesmo “sarça ardente”, radiante sem sem se consumir da Luz Incriada: ele é da raça dos Santos, dos Anjos e da Theotokos: “Aquele que se elevou à inteligência dos mistérios ‘torna-se’ verdadeiramente ‘um deus’ (Ex IV,16) em relação aos homens que resistem à verdade’ (Vida de Moisés).