Rudolph Bultmann

RUDOLPH BULTMANN (1884-1976)

MARQUES CABRAL, Alexandre. Heidegger em Bultmann : da destruição fenomenológica à desmitologização teológica. Rio de Janeiro : Via Verita, 2017

Quando Heidegger e Bultmann se encontraram na Universidade de Marburg em 1923 e trabalharam juntos até 1928, ano em que Heidegger transferiu-se para a Universidade de Freiburg, os dois já haviam trilhado um percurso que possibilitou uma relação fecunda entre ambos. Ávido pelas bases fenomenológico-existenciais do pensamento cristão, Heidegger encontrou em Bultmann um terreno fértil para o desenvolvimento de sua fenomenologia. Por outro lado, decepcionado com o liberalismo teológico e com a teologia dialética, Bultmann necessitava de novas bases conceituais que possibilitassem entender a auto-compreensão existencial do cristão primitivo que balizou o Kérigma da Igreja e determinou a confecção dos textos bíblicos. Justamente aí a obra de Heidegger aparece como um manancial de conceitos que possibilitam interpretar e esclarecer o kérigma cristão, sem cair em qualquer tipo [26] de otimismo antropológico ou individualismo existencial. Isso explica a convergência das obras de Heidegger e Bultmann e o porquê delas se cruzarem e se beneficiarem com o encontro entre ambas. Ademais, esse é o campo que possibilitou aos dois pensadores o cultivo de uma efetiva e profunda amizade. Um exemplo desta amizade pode ser encontrado em uma carta datada de 13 de março de 1927, em que Bultmann noticia Heidegger que ele fora chamado (Bultmann) para assumir o posto de membro ordinário da “Sociedade de Ciências”, enquanto Heidegger teria sido indicado para ser membro extraordinário dessa mesma Sociedade. A desculpa para que Heidegger não ingressasse como membro ordinário era a de que ele não teria realizado muitas publicações de textos filosóficos. Bultmann, então, condicionou seu ingresso à vontade de Heidegger assumir o cargo que lhe fora oferecido: “Só colaboraria com essa ‘Academia’, se você colaborasse também.” [[Corresp., 4.] Não só isto os irmanava. Os dois estudavam juntos nos finais de semana e acompanhavam um ao outro em suas respectivas pesquisas. Heidegger, por exemplo, acompanhou com atenção a pesquisa bultmanniana em torno do evangelho de João [[Cf. Corresp., 5.] e chegou mesmo a afirmar que seu comentário a esse evangelho iria “deixar claro que algo assim como uma ‘teologia dialética’ é um fantasma.” [[Idem.] Contudo, deve-se observar que, apesar da convergência de Heidegger e Bultmann ser notória tanto no campo do puro pensamento quanto devido à amizade dos dois, há divergências que devem ser assinaladas. Caso contrário, não saberemos como relacionar a obras dos dois e nem justificaremos a legitimidade dessa empreitada. Cabe, então, perguntar: quais divergências existem na relação entre Heidegger e Bultmann que nos possibilitam demarcar o campo de investigação do presente livro?

Apesar de muitos livros de história da teologia afirmarem que o pensamento de Bultmann é diretamente devedor de um contato com a obra heideggeriana, sobretudo [27] a obra desenvolvida no período de Ser e tempo 40, tanto a obra de Bultmann quanto os textos de Heidegger parecem inviabilizar qualquer tipo de harmonização plena entre ambas as obras. No que concerne à compreensão heideggeriana dessa diferença, um trecho de uma carta endereçada dia 7 de março de 1927 a Bultmann é extremamente significativo:

Somente avançamos em algo se trabalhamos radicalmente a partir de posições extremas. Você [[Bultmann] aborda o assunto a partir do lado teológico, de forma ôntico-positiva; isso certamente não faz desaparecer o ontológico, porém [[esse] não se faz temático e em cada caso lhe é fornecida uma pergunta [[acerca do ontológico]. Eu, por outro lado, trato do tema a partir do lado filosófico, de forma ontológico-crítica, mas não faço temático o ôntico no sentido da positividade do cristão e o deixo sempre com uma pergunta [[acerca de seu modo de ser]. Fazer malabarismos em um campo intermediário, sem sentir-se firme nem aqui nem ali e sem ter conhecimentos concretos e amplos, a única coisa que traz, se é que traz algo, é confusão.

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