Arendt: «Romanização» da filosofia grega

Excertos de Hannah Arendt, A VIDA DO ESPÍRITO

A opinião comum sobre a filosofia foi formada pelos romanos, que se tornaram os herdeiros da Grécia. Ela traz a marca não da experiência romana original, que foi exclusivamente política (e que encontramos em sua forma mais pura em Virgílio), mas do último século da República romana, quando a res publica, a coisa pública, já estava se perdendo, até finalmente tornar-se propriedade privada da família imperial, após a tentativa de restauração empreendida por Augusto. A filosofia, bem como as artes e as letras, como a poesia e a historiografia, tinha sido importada da Grécia. Em Roma, enquanto a coisa pública permaneceu intacta, a cultura foi encarada com alguma suspeita. Mas foi também tolerada e até admirada como um passatempo nobre para as pessoas de boa educação e como uma maneira de embelezar a Cidade Eterna. Apenas nos séculos de declínio e queda, primeiro da República, depois do Império, essas atividades tornaram-se “sérias” e a filosofia, por sua vez, e apesar do legado grego, tornou-se uma “ciência”, a animi medicina, de Cícero — o oposto do que tinha sido na Grécia. Sua utilidade era ensinar aos homens como curar seus espíritos desesperados, escapando do mundo através do pensamento. Sua famosa divisa—que quase parece ter sido formulada em oposição ao espanto admirativo platônico — tornou-se nil admirari, não surpreender-se com nada, nada admirar.

Mas não é apenas a imagem popular da figura do filósofo, o homem sábio a quem nada perturba, que devemos à herança romana. O famoso dito de Hegel sobre a relação da filosofia com a realidade (“A coruja de Minerva só levanta voo depois de começado o crepúsculo”) traz mais a marca da experiência romana do que da grega. Para Hegel, a coruja de Minerva representava Platão e Aristóteles surgindo, por assim dizer, dos desastres da guerra do Peloponeso. Não a filosofia, mas a filosofia política de Platão e de Aristóteles nasceu do declínio da polis, “uma forma de vida que havia envelhecido.” Em relação a essa filosofia política, a observação brilhantemente impertinente de Pascal em Pensées é de uma adequação evidente:

Só conseguimos imaginar Platão e Aristóteles vestindo as grandes túnicas de acadêmicos. Eles eram pessoas de bem e, como as outras, riam com seus amigos; e quando quiseram se divertir escreveram as Leis e a Política. Essa parte de suas vidas foi a menos filosófica e a menos séria. […] Se escreveram sobre política foi como que para pôr ordem em um hospício; e se deram a impressão de estar falando sobre uma grande coisa, é porque sabiam que os loucos a que falavam pensavam ser reis e imperadores. Adotaram seus princípios para tornar a loucura deles o mais inofensiva possível.

De qualquer modo, é patente a profunda influência romana mesmo sobre um filósofo tão metafísico como Hegel, no primeiro livro que publicou, em que discute a relação entre filosofia e realidade: “A necessidade da filosofia surge quando o poder unificador desapareceu da vida dos homens, quando os opostos perderam a tensão viva de sua relação e sua dependência mútua para se tornarem autônomos. É da desunião, da desavença que nasce o pensamento” ou seja, a necessidade de reconciliação (“Entzweiung ist der Quell des Bedürfnisses der Philosophie”). O que há de romano na noção hegeliana de filosofia é que o pensamento não surge de uma necessidade da razão, mas tem uma raiz existencial na infelicidade. Hegel, com seu grande sentido histórico, reconheceu muito claramente o caráter tipicamente romano dessa raiz no seu tratamento do “mundo romano”, em suas conferências tardias publicadas sob o título de Filosofia da história. “O estoicismo, o epicurismo e o ceticismo…, embora… opostos um ao outro, tinham o mesmo propósito, a saber, tornar a alma absolutamente indiferente a tudo o que o mundo real tinha a oferecer.” O que ele aparentemente não reconheceu, contudo, é até que ponto generalizou a experiência romana: “A História do Mundo não é o teatro da felicidade. Os períodos de felicidade são as suas páginas em branco, pois esses são períodos de harmonia.” O pensamento, então, surge da desintegração da realidade e da resultante desunião entre homem e mundo, da qual surge a necessidade de um outro mundo, mais harmonioso e significativo.