Robert Murray: Corpo do Cristo

Robert Murray: SÍMBOLOS DA IGREJA E DO REINO

O CORPO DO CRISTO, ENCARNADO E EUCARÍSTICO E O ESPÍRITO SANTO

“Cristo vestiu um corpo”. Esta simples imagem de vestimenta é a maneira favorita dos padres siríacos de descrever a Encarnação. Afraates usa frequentemente a frase, assim como “o corpo o qual ele vestiu de nós é a origem de nossa ressurreição”, embora nunca desenvolva a ideia da solidariedade do corpo do Cristo com nossa natureza corporal de tal maneira que faça a doutrina implicitamente sacramental e eclesiológica. Em contraste Efrem, sem explicitamente expressar tal doutrina, provê material para descobrirmos uma argumento eclesiológico implícito que poderia ser sumarizado dizendo que toda a dispensação da salvação tem sua fonte no corpo humano do Cristo; este mesmo corpo no qual ele curou homens e levantou-se de novo, ele nos deu de forma sacramental (em “mistério”) para nos curar, para nos incorporar nele na Igreja, e nos dar uma promessa de sua Ressurreição.

No NT, encontramos dois aspectos da atividade do Cristo como fonte de nossa santificação, uma mais exterior e a outra mais interior. Por um lado pode ser dito que a Palavra de Deus entrou e juntou-se à raça humana e nos tornou capazes de ser o que ele é; ele nos fez filhos adotivos de Deus e seus irmãos. Assim Afraates diz um número de vezes, embora quase sempre com referências aos “Filhos de Deus” nas Beatitudes. O outro aspecto, mais interior, nos mostra Cristo como a fonte de santificação em toda Igreja e em todos os cristãos individualmente por sua morada e por seus sacramentos, especialmente a Eucaristia. Este papel do corpo do Cristo é sugerido em uma passagem de comparação entre Moisés e o Cristo, que toca na Igreja:

Para eles (a nação anterior) Moisés estabeleceu o tabernáculo para que eles pudessem oferecer sacrifícios e oblações nele para obter a remissão de seus pecados: e Jesus levantou o tabernáculo de Davi que tinha caído e (agora) levantava-se de novo. Pois ele disse aos judeus: “Este Templo que v. vê, se v. o destrói, eu o levanto em três dias” (Jo 2,19). E seus discípulos vieram a entender que ele falava de seu corpo que, quando eles o destruíram, ele o levantou em três dias. Através de (ou em) este tabernáculo ele nos prometeu vida, e através dele nossos pecados são redimidos. Ele chamou o tabernáculo deles o “tabernáculo temporal” porque servia somente por um tempo limitado: mas o nosso (ele chamou) o templo do Espírito Santo, que é para sempre.

Aqui Afraates é difícil de compreender. Ele certamente está falando do corpo do Cristo que Deus levantou dos mortos, e a salvação que Cristo medeia para nós pela virtude da Encarnação, Paixão e Ressurreição. O que é “nosso tabernáculo”, o templo do Espírito Santo? Em todos os outros lugares onde Afraates fala do templo do Espírito Santo ele parece esta pensando somente na divina morada em todos individualmente, como parece ser o sentido primário de 1Co 3,16 e 6,19. Ele nunca explicitamente cita Efésios 2, 21-22 sobre a comunidade como o templo do Espirito, mas parece que isto é o que ele tem em mente aqui. “Nosso tabernáculo” é comparado com o primeiro, que era uma instituição social servindo o culto comunal. Ao mesmo tempo, Afraates partiu do corpo humano do Cristo. A implicação total é que há unidade e continuidade entre o corpo pessoal no qual Cristo sofreu para nos redimir e o templo contínuo (e eterno) que ainda é nosso, mediando os frutos da redenção; o contexto é comunal, mas a imagem é a mesma que Afraates usualmente aplica à união individual com Cristo no Espírito Santo.

É neste último sentido que Afraates desenvolve mais completamente o tema de como a salvação trazida pela Encarnação é mediada para nós todos. O contexto, como aquele das palavras de Paulo Apóstolo sobre a Encarnação em Fil 2, é uma exortação à humildade, mas Afraates passa a uma completa discussão da habitação divina.

Quando Gabriel trouxe as boas novas para Bendita Maria que o portava, a Palavra procedeu sua vinda do alto, e a Palavra se tornou corpo e habitou em (entre) nós (Jo 1,14). E quando ele foi para ele que o enviou, procedeu vir algo que ele não trouxe, como Paulo Apóstolo diz: Ele fez sua ascensão e nos fez sentar com ele no céu (Ef 2,6). E quando ele veio a seu Pai enviou-nos seu Espírito e nos disse: Eu estou com vocês até o fim do mundo (Mt 28,20). Pois Cristo está sentado à mão direita do Pai; e Cristo está habitando nos homens. Ele tem autoridade acima e abaixo através da sabedoria de seu Pai e ele habita em muitos embora seja um. Cada um e todos que têm fé ele eclipsa pelo seu poder (lit. de si mesmo) e nunca falha, como está escrito: Eu dividirei ele entre muitos (Isaías 53,12); e embora dividido entre muitos, está sentado à direita de seu Pai. Ele está em nós e nós estamos nele, como disse: Estais em mim e estou em vós (Jo 14,20), e em outro lugar diz: E em meu Pai somos um” (Jo 10,30).


Roberto Pla: Evangelho de ToméLogion 87

Nada há no texto evangélico que permitisse prever (aparte do fato pessoal de Jesus) a glorificação escatológica que teria de alcançar na exegese cristã manifesta o mortal recipiente de barro.

Talvez haja que ver a origem desta exegese doutrinal tão “contra natura” na intensidade do olhar amoroso que puseram muitos novos cristãos no Cristo manifesto crucificado como o Cordeiro de Deus. Isto traçou uma tendência muito terrena, uma explicação muito corpórea, do Filho de Deus. A essência foi então relegada pela forma. Se viu mais a carne passível do justo imolado na cruz; uma carne que cada um via em si mesmo como reflexo de sua própria identificação corporal; se viu isso mais dramaticamente que o fato do Espírito de Deus padecendo cativeiro no cárcere de carne. Assim se chegou à glorificação da carne, fundada no caráter paradigmático da morte, ressurreição e ascensão final de Jesus ao Pai, em seu corpo glorioso.

As consequências desta glorificação da carne se fizeram esperar na metafísica antropológica traçada com signo triunfante durante os primeiros séculos cristãos. Esta doutrina se desenvolveu segundo um esquema puramente tautológico que se adaptava à ideia prévia: o homem foi feito à imagem de Deus, mas a imagem de Deus é o Filho, a cuja imagem foi feito o homem. Quando o Filho se manifestou aos homens demonstrou que sua imagem (o homem) é semelhante a ele. Também foi criado o homem à semelhança de Deus, e a semelhança do Filho foi criado o homem. Depois, quando o Filho nasceu de uma Virgem assumiu sua própria corporeidade para mostrar a identidade da corporeidade do homem com a Sua.

Estes homens da vertente manifesta não queriam ver o Filho oculto em consequência ingênito, que agora explicamos, embora certamente, o conheciam. No entanto, o Filho é essencialmente a Luz — com seu correlato de Sabedoria e Vida — imagem da Luz infinita do Pai e transmitida — impressa — ao espírito do homem como imagem de si mesmo. Assim é como o Pai e o Filho são um em essência, como também o é o homem enquanto espírito, quer dizer, quando alcança a união com sua essência própria, com essa essência “que nele habita”.

A respeito da alma, dinâmica, de signo distinto à luz, é a forma primeira, sempre separada e distinta, que oprime à luz, desde as mansões de seu reino intermédio, o que é próprio da psique. A alma tem à luz, ao espírito, em cativeiro, pois não co conhece e somente graças a um irrefreável esforço dinâmico que a é consubstancial, persegue assimilar-se à luz. A liberação é a um tempo a morte da forma e a liberdade da luz, pois esta deixa então de permanecer prisioneira sob os diques formais da alma. A luz, livre, se reconhece então na luz e recupera a unidade perdida.