Ritos Neolíticos de Criação

PIERRE GORDON — A IMAGEM DO MUNDO NA ANTIGUIDADE

VIDE: Criação
RITOS NEOLÍTICOS DE CRIAÇÃO
O ponto essencial nos ritos comemorativos da criação era a violência exercida sobre o estado primordial da indivisão. Quando este estado se encontrava figurado pelo acasalamento sexual de um homem e de uma mulher (identificados ao céu e à terra), o homem intervinha para separá-los à força e constituir entre eles o espaço. Quando o estado de origem era simbolizado por um homem superior, é pelo desmembramento deste que se formava o universo físico. Não há inquietação, em geral, em saber de onde provêm os dois personagens acasalados, nem quem tinha formado o homem superior. Se punha eles na existência, de alguma maneira como eternos, e se tinha isto por uma explicação suficiente de discernir por qual via, a partir deles, se desenvolveu o universo do qual temos a visão presentemente.

Estes dados respondiam a noções de uma rara profundidade. O que, com efeito, requer uma justificação, não é o universo do conhecimento puro, mas unicamente aquele do conhecimento por sensações. Do momento que não se pode subir ao princípio intelectual que rege o universo dinâmico — a saber o princípio da unidade e da identidade absolutas do ser, ou seja, o princípio de indivisão — tudo se ilumina, e o espírito desfruta de uma satisfação total. Em pondo como ponto de partida a não-separação, a fusão rigorosa de todos os seres, no ser único que eles formam graças ao amor sem reserva e ao dom integral de si, os cenários de que falamos respondiam portanto inteiramente às exigências do pensamento, posto que situavam na fonte do cosmo fenomenal o princípio de identidade. — Nossa ciência não ignora certamente esta regra, ela que estima ter se dado inteiramente conta de um fenômeno quando ela o deduz matematicamente de uma lei, quer dizer o reconduz a um encadeamento de identidades.

Graças à ascese do mundo subterrâneo, os homens sabiam bem, além disso, então, — como sempre o souberam os místicos, — que a renúncia ao universo fenomenal e o acesso à visão superior das coisas determinam uma claridade sem sombra, e que toda dificuldade cessa desde que a inteligência pode se alçar ao dinamismo da sobrenatureza.

As obscuridades começam, e os problemas se põem, unicamente para os mecanismos espaço-temporais. A todas as questões sobre este ponto o sacerdócio opunha a resposta fundamental seguinte: o cosmo físico é o fruto de uma violência; ele não foi desejado por Deus; em outros termos, ele não se reconduz à luz do cosmo inicial, e dele não procede por uma via normal; um hiato dele o separa; em sua base se encontra um pecado; eis porque, fora da matéria invisível que dele é a substância e a sustentação, ele nada é; eis porque o conhecimento sensível deve ser anulado para que o espírito ascenda à claridade do conhecimento verdadeiro e pleno.

Daí decorre, para empregar o vocabulário atual, que o mundo físico não era suscetível, enquanto tal, de qualquer justificação lógica, e que era em vão buscar deduzi-lo do universo dinâmico. Ele não se explicava senão por uma causa moral e não se o compreendia senão em remediando, por disciplinas apropriadas, aos efeitos desta causa, ou seja, senão em morrendo para ele para ressuscitar no cosmo de radiância. As crenças e as práticas iniciáticas se articulavam assim estreitamente ao ritual de criação, para comunicar ao pensamento, tanto sobre o problema do ser quanto sobre aquele do conhecimento, certezas que nunca foram superadas e que jamais poderiam sê-lo.