Ressurreição e Maternidade Virginal [VPRJ]

JEAN TOURNIAC [VPRJ]

Objetivo: esclarecer o papel da Virgem Maria nos estados póstumos próprios à tradição cristã.

  • A Mão do Cristo se apresenta como um escudo nos primeiros ataques da travessia póstuma, como uma “proteção”, o que é um alívio quando nos lembramos dos “terrores”, ilusórios a princípio, que atacam a “alma” isolada sem o corpo grosseiro. A viagem no desconhecido descrita no Bardo-Thodol e Livro do mortos egípcios os destaca com muitos detalhes.
  • A própria oraçãoAve Maria” nos faz lembrar também nestes termos: “… e na hora de nossa morte. Amém”. Toda uma tradição que se disseminou na época de Bernardo de Clairvaux vê na última invocação dos Nomes de Jesus e Maria a garantia da graça paradisíaca.
  • Tomemos três traços característicos tomados à liturgia católica da Virgem “Toda poderosa suplicante” (como a Canaã):
    • Litanias: Virgem poderosa, arca da aliança, porta do Céu, refúgio dos pecadores, consoladora dos aflitos… permita-nos ser liberados das tristezas do tempo presente e de saborear as alegrias da eternidade. Pelo Cristo…
    • Missa de Maria Imaculada: a “mulher revestida do sol, a lua sob seus pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas”.
    • Missa da Assunção: “Maria foi levada ao céu, os anjos que disto se deleitam (Guénon: além dos estados superiores do ser)” “mesmo em sua carne ela deixou este mundo” (a “caro spiritualis”)
    • Missa do coração imaculado de Maria: “… obter por sua intercessão as alegrias da vida eterna…”
    • Festa do Muito Santo Rosário: “o Senhor vos abençoou em seu poder posto que por vós ele reduziu seus inimigos a nada”. “A Virgem Poderosa é como a torre de Davi: mil escudos aí estão suspensos e toda armadura dos bravos”.
    • Missa da Bem-aventurada Virgem Maria no Cenáculo: “… eu sou a Mãe do Belo Amor, do Conhecimento e da Santa Esperança”.
    • Missa de Nossa Senhora Auxiliadora: “… fatos … que depois de ter sido sustentado por tão poderosa proteção nos combates da vida, alcançamos na morte a vitória sobre o espírito maligno, por Nosso Senhor…” (oração) “que pelo socorro de vossa Muito santa Mãe, seja liberados de todo mal e de todo perigo…”
    • Missa de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro: “Vós sois… bela como a lua, brilhante como o sol, terrível como um exército alinhado em batalha”.
    • Missa de Nossa Senhora da Esperança de Pont-Main: ” e invocais o Senhor e falais junto ao Rei em nosso favor e nos livre da morte”.
    • Missa das sete dores da Bem-aventurada Virgem Maria (Stabat Mater): “… quando meu corpo morra, faça que a minha alma seja acordada a glória do Paraíso (oração endereçada ao Cristo).
    • Prática da piedade: “Jesus, Maria, José, faça que eu expire em paz em vossa santa companhia” (todas as três são “provenientes da nobre camada de Jessé para a salvação do mundo” — Hino da festa da santa família).
  • Nota-se três temas recorrentes:
    • A proteção, defensiva e “contra-defensiva” no mundo dos ataques sutis. É a Virgem refúgio, guarda e selo, a casca protegendo o germe.
    • As ideias de paz, alegria, libertação.
    • A subida aos céus, entre lua e sol.
  • A “realização espiritual” comporta dois estados ou etapas:

 

Natureza Definição Fase Meta
I Salvação Prolongamento em longevidade sutil da individualidade humana Espera da Ressurreição Realização do centro do estado do ser humano. Centro invariável do plano horizontal deste estado.Dimensão do Homem integral. Paraíso “Terrestre” e Tradição primordial. Fim dos “pequenos mistérios” e imortalidade efetiva.
II Liberação Vida eterna e Estado incondicionado ou divino Ressurreição dos corpos gloriosos Sobre a base do centro dos estado humano pré-citado: ascensão vertical ao longo dos estados informais do ser, ou estados informais do ser, ou estados angélicos, até o ápice da cúpula espiritual do estado divino. Dimensão do Homem Universal. Paraíso “celeste”. Fim dos “grandes Mistérios” e Eternidade, Vida eterna e corpo-glorioso.
Entre I e II: a escada vertical angélica de Jacó a Luz-Bethel.

 

  • Sabe-se que a Virgem Maria é representada frequentemente em uma espécie de amêndoa, como o Cristo, nas catedrais; amêndoa denominada “mandorla”. é o Cristo “em glória” pois tradicionalmente “a amêndoa é o mistério da luz”.
    • A amêndoa, ou a amendoeira, se diz “Luz” em hebraico, palavra cuja raiz está ligada às ideias de coberto, oculto, envelopado, secreto.; contém assim os sentidos de inviolabilidade, selo e de claustro.
    • Luz na mística judaica designa a partícula corporal indestrutível “representada simbolicamente como um osso muito duro, e ao qual a alam permaneceria ligada após a morte e até a ressurreição, como o núcleo contém o germe e como o osso contém a moela.
      • “Esta Luz contém os elementos virtuais necessários à restauração do ser”, segundo René Guénon (vide “LUZ” OU A MORADA DA IMORTALIDADE)
      • Luz designa o lugar dito Bethel onde Jacó teve justamente o sonho da escada onde subiam e desciam os anjos, entre Terra e Céu, quer dizer, para empregar a linguagem de Guénon, o eixo vertical partindo do centro de todo estado humano e incluindo todos os “estados superiores do ser” até o ápice da Divindade. O eixo que conduz da Imortalidade à Vida Eterna e à Ressurreição do Corpo glorioso. O eixo vertical da “mulher vestida do sol”.
      • O judaísmo legendário coloca próximo de Luz uma amendoeira situada acima de um “buraco” ele mesmo acessível por um subterrâneo. É a “caverna secreta” que aproximaremos da matriz virginal às últimas linhas desta obra; uma caverna situada na ortogonal do polo Celeste e sobre uma linha de sizígia vivificante entre terra e céu, o que alguns hermetistas denominam “fecundação da caverna” ou “nascimento eterno”. Sabe-se que o sentido latino do uterus não é este estritamente fisiológico corporal tomado nos dias atuais, mas o de seio maternal e de buraco ou cavidade (letra hebraica “Beth”: “dentro”, que se pronuncia como a “casa”: Beith ou Beth).
  • o Gênesis nos dá de Luz a seguinte descrição: “Acordando, pois, Jacó do seu sono, disse: Na verdade o SENHOR está neste lugar; e eu não o sabia. E temeu, e disse: Quão terrível é este lugar! Este não é outro lugar senão a casa de Deus; e esta é a porta dos céus. Então levantou-se Jacó pela manhã de madrugada, e tomou a pedra que tinha posto por seu travesseiro, e a pôs por pilar (símbolo do eixo vertical, partindo de um centro sagrado do plano horizontal humano e unindo Terra ao Céu), e derramou azeite em cima dela. E chamou o nome daquele lugar Betel; o nome porém daquela cidade antes era Luz. (Gen 28:16-19)”
  • As doutrinas tradicionais do hermetismo ensinam portanto que na morte corporal o núcleo indestrutível, o Luz, situado simbolicamente na base do eixo vertical humano ou “sede da kundalini” nos hindus, e em baixo do eixo vertical angélico, desce ao “interior” da terra, donde a divisa: “VITROLIUM”: “Visita interiora terrae, rectificando invenies occultum lapidem, veram medicinam” que se encontra na caverna sombria ou câmara de reflexão onde está alojado o candidato à iniciação maçônica.
  • Tal é o devir geral do batizado. Não retorna mais em um novo estado individual ligado ai lado “arriscado” do novenário horizontal, cíclico, aquele do retorno indefinido.
  • Em alguns casos o “sono da paz” não se aplica ao defunto. Sem mesmo evocar o caso das almas do purgatório donde só o “osso da ressurreição” está ainda em sono, e que continuam uma ascese, há também o caso dos eleitos e dos santos para os quais o “sono da paz” é inútil pois eles ainda têm funções a preencher: seus “corpos de ressurreição sobem ou saem dos túmulos.
  • Na Ressurreição, se dá de outro modo pois há absorção do corpo, da alma e do espírito na carne do Ressuscitado. A ressurreição implica a unidade do “pneuma”, da “psyche” e do “soma”, no corpo (sarx).