Paul Nothomb: Excertos de «Ça ou l’histoire de la pomme racontée aux adultes» [PNHP]
Quando falo de queda, menos por hábito que por comodidade, (a palavra não está no texto da Bíblia das Origens), não se deve reduzi-la a uma perda de equilíbrio, como se falaria de uma queda na escada. Nem a uma queda de um andar a outro inferior da mesma casa. Nem à queda de um avião do céu sobre a terra. Mas imaginar, o que é impossível salvo por palavras inadequadas, a substituição de um fundamento a um outro. Um conjunto de dados espaço-temporais, físicos e mentais “sobre-humanos”, bruscamente substituídos por aqueles de um cérebro estreito, de capacidade muito limitada, face eventualmente ao mesmo mundo. É em sua cabeça que o indivíduo sucede então a Adão, por uma espécie de regressão catastrófica de todas as suas faculdades. Seu horizonte se retrai de x a três dimensões espaciais, e seu tempo reversível se torna irreversível. Ele é enjaulado em um cubo com bilhões de galáxias, reduzidas a suas próprias dimensões, ele lhes atribui seus limites que não pode mais ultrapassar e projeta sobre todo o universo. O Adão “pó”, infinito, metafísico é “tornado um animal” (2,7).
Esta operação suicidária, ele é o autor. Na única frase de discurso direto que lhe atribui o relato, ele a nomeia triplamente “isto” (zoot em hebreu) em um arranjo que não deve nada ao acaso. A palavra zoot abre e fecha a frase e se se situa ainda em seu meio. Manifestamente a atenção do leitor é atraída sobre este zoot vago e misterioso, que é um pronome demonstrativo do gênero feminino mas frequentemente com sentido neutro. No contexto pode designar a “coisa”, a coisa inominável, a “mulher” que não se chama ainda Eva.
Zoot se refere duas vezes na segunda parte do relato (aquela que se desenrola ao redor da árvore) mas desta vez não mais na boca do Homem. Na boca de Deus para desaprovar ao par originário da autodegradação do Adão (zoot) o que ele acaba de fazer (zoot) na ocorrência, amputar a árvore da Onisciência. Como este pronome ambivalente não é mais atestado no texto bíblico antes do episódio do Dilúvio, pode se pensar que designa aqui nos dois casos a mistura de liberdade, de astúcia, de espírito de aventura e de bobeira que provocou isto que se chama a “Queda” ou o “pecado original”. Não o resultado mas a causa, a impulsão suicidária que empurrou Adão afar em duas etapas a “se tornar um animal”. Certamente um animal humano, e que se lembra de sua origem, mas que perdeu sua liberdade quase demiúrgica, sua imortalidade, seu conhecimento…
“Isto”por conseguinte não é inteiramente negativo. É a prova flagrante da liberdade do Adão, de seu gosto do risco, de sua capacidade de pôr em questão e de “criar” a sua maneira. A preço alto. Ele vai alimentar a “serpente” nele (seu espírito lógico) de sua substância (seu “pó”) já que este não esmoreceu nele. Assim se esclarece de uma viva e prodigiosa clareza a famosa frase da maldição da serpente: “Rastejarás sobre teu ventre, e comerás do pó todos os dias de tua vida”; o que compreendo: “Não verá mais longe que teu nariz, pobre espírito lógico, e não conseguirás jamais esgotar a esperança do homem de se voltar a ser ele mesmo posto que deverás recomeçar todos os dias a desesperá-lo”. Em vão, finalmente (3,14).
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