Uma preocupação semelhante com a salvação pessoal, as provações que a originam, os esforços que ela provoca, são refletidos e ecoados na especulação e na literatura gnósticas. Já é significativo que o autor muitas vezes se expresse nesses textos na primeira pessoa do singular ou do plural, às vezes em uma espécie de confissão ou efusões líricas. Um escrito como o Evangelho da Verdade, encontrado perto de Nag Hammadi, e, mais ainda, obras poéticas como os Salmos dos Naassenos, bem como uma infinidade de peças dos Saltérios Maniqueístas de Fayum ou Turfan, o “Hino” ou o “Canto da Pérola” dos Atos de Tomé, constituem, desse ponto de vista, outros tantos testemunhos diretos, vívidos e comoventes. Mais frequentemente, porém, a experiência subjetiva e as reflexões individuais são transpostas para um plano impessoal, formuladas à maneira de verdades teóricas, sob a forma e no âmbito de uma doutrina ou mito que as sistematiza, explica ou justifica. É assim que o gnóstico acaba dando a seus sentimentos e a seu próprio empreendimento individual um valor coletivo, universal e metafísico. “O que fui eu? O que sou eu? O que serei?” se transforma em: “O que fomos nós? O que somos nós? O que seremos?”A interrogação diz respeito à condição humana em geral, situa-a de novo e resolve seu enigma na perspectiva de um devir cósmico e transcósmico cujos três estágios, “três Tempos” ou “três Momentos”, servirão concretamente, no maniqueísmo, para articular a visão grandiosa de um universo atravessado, desde sua origem até seu fim, ao longo de sua evolução, por sua “história”. O desconforto experimentado no contato com as realidades sensíveis levará a considerar a existência atual como ruim, a assimilá-la a uma decadência e, a partir daí, a considerá-la como a consequência de uma queda. Uma queda que não é apenas aquela na qual fomos precipitados por nosso nascimento carnal, mas que remonta muito antes, muito além, ao alvorecer da história humana, e até mesmo, de acordo com os maniqueístas, ao início da formação do mundo: a queda do primeiro homem, de Adão, ou do “Homem Primordial”, do arquétipo do Anthropos. Essa é a origem do considerável interesse que os escritos gnósticos atribuem ao relato dos primeiros capítulos do Gênesis, da particular interpretação ou versão que oferecem deles, que visa estabelecer a radical inocência, a irresponsabilidade de Adão, do homem, ou pelo menos de todo “homem de luz”. A existência humana, assim como o mal que lhe é inerente, terá então que ser explicada por uma degradação, pela passagem de um estado de “plenitude” a um estado de diminuição e dispersão que é “deficiência”, “falta”, “carência”, “vazio”: pleroma e histeroma adquirirão assim um significado ontológico e cosmológico e se tornarão — em particular no valentinismo — palavras-chave do vocabulário gnóstico. Da mesma forma, a condenação do corpo, do mundo e de tudo o que tem a ver com ele, trará consigo a condenação daquele que é seu criador e, consequentemente, o responsável pelo mal contido nele. O Deus bíblico ou o Demiurgo platônico será rejeitado, “amaldiçoado” em alguns casos; em outros, humilhado, rebaixado à categoria de seres, se não “cegos”, perversos, cruéis, “ciumentos” e coléricos, pelo menos medíocres, ignorantes ou semi-ignorantes, fracos ou débeis. Em todo caso, a eles se oporá, ou imaginará estar muito acima deles, o “Deus desconhecido”, um Deus absolutamente transcendente, sem conexão com o mundo e o tempo, inacessível ao conhecimento comum e que se manifesta somente por meio de revelação interior. O Deus que é verdadeiramente “o Pai”, que é pura Bondade e cuja função essencial não é criar e julgar, mas salvar. O gnóstico encontra nele a garantia de uma salvação que busca fora do mundo, ao mesmo tempo em que se distancia completamente dele. Seja radical ou relativa, a dualidade que o gnóstico estabelece entre os “dois Deuses” e, de modo mais geral, entre o Espírito e a Matéria, o Bem e o Mal, é o resultado de seu desejo de romper com tudo o que o rodeia e o impede, e de encontrar seu autêntico si em sua totalidade.