Também seria muito fácil demonstrar que, com suas pretensões e aspirações, o que o gnóstico faz é projetar-se nas Entidades de sua metafísica ou nos personagens de seus mitos. O “Salvador”, como ele o concebe, o “Iluminador” (phoster), responde a uma necessidade, mas também à imagem ideal que ele faz de si mesmo; esse Salvador, esse salvandus ou salvatus, deve ser salvo por sua vez e salva a si mesmo; como o Homem Primordial do maniqueísmo, ele é a figura da alma caída nas trevas do mundo e liberada pelo espírito, por seu noûs, unida a ele novamente, de modo que ela mesma é salva de certa forma como resultado de uma “iluminação”. Sophia, por sua vez decaída e salva, é a mãe dos “pneumáticos”, e o espiritual deve necessariamente se solidarizar com suas aventuras, com seus “infortúnios” que prefiguram os seus. O gnóstico tira a prova de sua “nobreza”, da excelente e alta qualidade de sua origem, de Seth, o “Allogenes”, o “Estrangeiro”, princípio de sua “raça”, como Abel o é da dos “Psíquicos” e Caim da dos “Hílicos”; e faz sua a comovente história dos “Sethianos” preservados dos perigos que os ameaçavam.
Os exemplos poderiam ser multiplicados: eles nos levariam às mesmas conclusões. O gnóstico não apenas pensa que ligou seu destino ao deste ou daquele ser celestial, mas também está convencido de que é em si mesmo “consubstancial” a esses seres e até mesmo, de acordo com os maniqueístas, a Deus. De uma forma ou de outra, o mito que elaborou lhe assegura que pertence por direito e por natureza ao mundo do além e que, quaisquer que sejam as modalidades aparentes de seu destino, permanece eternamente unido a ele por um vínculo indissolúvel, quer se conceba como essencialmente constituído de uma “porção” separada da “Alma” ou da substância luminosa do próprio Deus, quer se imagine de posse de uma “centelha”, “partícula” ou “semente” de luz descida do “Alto”.