Se quisermos progredir, de acordo com a linguagem dos “fenomenólogos”, devemos tentar descobrir a “essência” [da Gnose] em suas “manifestações”. E há mais um aspecto a ser esclarecido. A Gnose não existe em si mesma, independentemente de suas expressões, além da “Gnose” e dos gnósticos. Reduzi-la a um conceito abstrato, a uma noção puramente ideal, seria tão estéril quanto dar uma definição simplificada e geral demais, o que equivaleria a torná-la insignificante. A imagem que queremos formar dela, se quisermos que seja mais próxima da verdade e mais viva, deve ser extraída dos dados concretos e, ao mesmo tempo, referir-se a eles, conformando-se às representações que a realidade histórica oferece dela. Indagar sobre o que é a Gnose, essencial e especificamente, equivale, portanto, desde o início, a perguntar-se o que ela representa para o gnóstico, para qualquer gnóstico, o que ele entende por ela, como experimenta e imagina a ação que ela supostamente exerce sobre ele, sob que formas traduz, transpõe ou elabora tal experiência. É em função dessa experiência, das exigências, dos processos, dos comportamentos que dela resultam, que se pode, em sua maior parte, interpretar mitos, doutrinas, especulações, práticas, que nada mais fazem do que expressá-los ou justificá-los. De fato, o pensamento gnóstico se formula, procede e se articula segundo modos particulares: qualquer sistema de gnose, por mais desconcertante que possa parecer a princípio por sua estranheza, por sua aparente incoerência, obedece a um motivo comum que o constitui como um todo orgânico, que preside sua disposição interna, suas articulações, sua finalidade íntima e que, através da relação mútua entre suas partes e entre estas e o todo, fundamenta sua coesão e sua explicação. Esta é a origem da originalidade, a especificidade das características que todos os sistemas gnósticos apresentam em sua estrutura e mecanismo; portanto, sem diminuir sua variedade, sua unidade ou seu parentesco. A Gnose deve ser identificada, mais do que com uma “essência”, com esse fator constante que, sendo solidário como é com uma experiência, está presente e ativo em todos os sistemas gnósticos.