Faggin: Proclo Cristianismo

Giuseppe Faggin — Meister Eckhart e a mística medieval alemã
Excertos da tradução portuguesa da ECE Editora, 1984
A ESTRUTURA TEOLÓGICO-METAFÍSICA DA MÍSTICA ECKHARTIANA
(continuação)

Contudo, o pensamento de Plotino atua poderosa ainda que invisivelmente sobre a especulação do mundo cristão por meio de seus seguidores, especialmente de Proclo. Em Proclo a doutrina plotiniana sofre uma profunda reestruturação, mas sem modificações essenciais: a teologia negativa e a teoria do “centro da alma” são objeto de um novo e mais insistente exame; a doutrina das “enadas”, que parece ausente no sistema de Plotino — mas que, na realidade, está implícita nele — enfoca mais claramente a relação dialética entre o Uno e o múltiplo e cria um certo pluralismo espiritualista que encontrará a expressão moderna e mais completa em Berkeley e em Leibniz; a doutrina cíclica do real através da detenção, do avanço e da volta, que encontrará entusiasta aceitação em Hegel, é a formulação de maior exatidão metafísica e a que melhor abarca o núcleo do sistema plotiniano, destinada a reunir intimamente o que a teoria das “enadas” parecia haver separado inexoravelmente. Somente na importância reconhecida às artes mágico-teúrgicas Proclo contrasta com o equilíbrio místico-racional de Plotino e obedece às caprichosas e sentimentais exigências de sua época; mas também estas teorias deviam encontrar tácita aceitação até no mundo cristão, que da teurgia de Proclo podia tirar motivos adequados para fundar uma teoria dos sacramentos.

As obras de Proclo, traduzidas para o latim, divulgaram as ideias neoplatônicas no Ocidente e resgataram indiretamente do esquecimento o pensamento plotiniano. Em 1268 Guilherme de Moerbecke traduziu a Elementatio theologica e mais tarde, o De decem dubitationibus circa providentiam, o De providentia et fato et eo quod in nobis e O De malorum subsistentia, cujo texto grego se perdeu. Mas as intuições neoplatônicas podiam conservar-se no mundo escolástico e atuar em profundidade sobretudo por obra do De Causis. A pequena obra, atribuída geralmente a Aristóteles, era na realidade uma redação livre da Elementatio theologica de Proclo realizada por um árabe e traduzida para o latim por Geraldo de Cremona nos fins do século XII com o título de Liber de Expositione bonitatis purae. O De Causis, que foi traduzido também para o hebraico nada menos que quatro vezes, foi considerado digno de estudo e de comentário por Alberto Magno, por Tomás de Aquino e por Egídio Colonna e foi conhecido também por Dante que o cita várias vezes no De Monarchia, no Convívio e nas Epístolas. Mas o pensamento neoplatônico, chegava ao Ocidente, por intermédio dos árabes,também em outra obra, atribuída assim mesmo, por engano, ao Estargirita: a Theologia Aristotelis. O original grego é de data e de procedência incertas; sabemos ao invés, que a versão árabe de Ibn Abdallah Naima de Emesa remonta ao ano 800 mais ou menos e que a reelaboração de Abu Joseph Jacob Ibn Isaac Alkindi pertence ao período compreendido entre 833 e 842. Segundo a opinião de Henry, a Theologia não seria mais que uma parte, talvez a primeira, dos cem livros de Escolios, isto é, dos apontamentos tomados por Amélio nas aulas de Plotino, e neste caso nos conservaria nada menos que a tradição oral da ensinança plotiniana. Por intermédio do De Causis e da Theologia Aristotelis, o neoplatonismo inspirou as obras de Avicena, de Algazel e até de Averroes e através delas penetrou no Ocidente, mas numa estranha e singular síntese com a metafísica de Aristóteles. Mas a “contaminação” aristotélico-plotiniana devia parecer a muitos escolásticos um híbrido conúbio que era necessário desfazer para retornar às fontes do platonismo autêntico. Também a filosofia hebraica, sobretudo por obra de Avicebron e Moisés ben Maimon, renovava muitos motivos neoplatônicos e preparava preciosos materiais para as grandiosas construções do Escolasticismo medieval.