BIBLIOTECA DE NAG HAMMADI — CÓDICE V — I APOCALIPSE DE TIAGO (V,3)
Tiago, o “irmão” do Senhor, deixou uma tradição da qual os dois apocalipses de Nag Hammadi constituem ecos. Na realidade, esses textos são discursos de revelação do Senhor a Tiago. As perguntas deste último são estereotipadas, permitindo ao Salvador formular uma doutrina gnóstica, em uma perspectiva judaico-cristã.
O primeiro apocalipse anuncia a Tiago os sofrimentos que o esperam. O Salvador o tranquiliza por suas exortações:
Tiago disse: “Rabi, tu disseste ‘serei tomado’, mas eu o que poderei fazer?” Ele me disse: “Não tenhas medo, Tiago! Tu também serás tomado. Mas deixa Jerusalém, pois (é) ela que dá a todos os momentos a taça da amargura aos filhos da luz, pois ela é o local de estada de muitos arcontes. E teu resgate de suas (mãos) se dará, de modo que tu saibas quem eles (são) e de que modo (eles são)” (p. 25,10-24).
…Tiago disse: “Rabi, como chegarei até o Existente, se todas essas forças e esses exércitos estão equipados contra mim?” Ele me disse: “Essas forças não se armaram apenas contra ti. Elas se equiparam contra outro: é contra mim que elas se armaram! E elas se armaram com outras (forças). Mas elas se armaram contra mim (para) um julgamento!” (p. 27,13-24).
Este último texto diz que, diante dos ataques dos arcontes, a alma quer retornar ao Pai preexistente, mas o Senhor revela que esses ataques, na realidade, são dirigidos contra ele.
Durante seu retorno, a alma deve responder aos guardas, que propõem as interrogações fundamentais que os valentinianos se propunham sobre o homem, sua origem, sua natureza, seu destino:
Ora, Tiago tinha medo. Ele chorava e estava muito aflito. E sentaram-se os dois sobre uma pedra. O Senhor disse-lhe: “Tiago, (sim) tu sofrerás, mas não tenhas o coração perturbado, pois a carne é fraca, mas ela receberá o que é prometido. Mas tu, não tenhas medo, não sejas pusilânime”. E o Senhor deixa de falar. Logo que Tiago ouviu essas (palavras), enxugou as lágrimas de seus olhos (…). O Senhor (disse-lhe: “Tiago,) eis que vou te revelar tua salvação: quando eles te tomarem e sofreres esses sofrimentos, uma multidão se armará para te tomar. Ora, com mais intensidade, três dentre eles te tomarão, os guardas: eles não apenas exigem pedágios, mas também as almas, que eles surrupiam por roubo. Assim, se tu caíres entre suas mãos, o seu guardião te dirá: ‘Quem és tu?’ ou ‘De onde és tu?’ Tu lhe dirás: ‘Eu sou filho e um (ser saído) do Pai’. Ele te dirá: ‘Que tipo de filho tu (és) e a que Pai pertences?’ Tu lhe dirás: ‘Eu sou do Pai preexistente, um filho que (está) no Preexistente’. Ele te dirá: ‘Dá o seu sinal’. Tu lhe dirás: ‘(Ele está?) nestas palavras (…)’. (…) Tu lhe dirás: ‘Eles não são nem um pouco estranhos, pois que eles vêm de Acamot — a mulher —; que os criou fazendo sair sua espécie (sem ajuda) do Preexistente. Assim, portanto, eles não são estranhos, mas sim dos nossos: por um lado, eles são nossos, porque aquela que é seu senhor saiu do Preexistente; por outro lado, eles são (no entanto) estranhos, porque o Preexistente não teve comércio com ela quando ela os produziu’. Ele te dirá ainda: ‘Para onde vais?’ Tu lhe dirás: ‘Para o lugar de onde eu vim, (é para lá que) eu volto’. Ora, se disseres isso, tu escaparás de seus embustes” (p. 32,13-34,20).
Devemos mencionar ainda a p. 36,16.20.22, onde aparece Adai, o apóstolo da Síria, que deve receber o conteúdo deste apocalipse e transcrevê-lo. Essa indicação aponta talvez para origem síria deste tratado sobre o retorno da alma a Deus.