FUNDAMENTO BÍBLICO DO ÍCONE

Paul Evdokimov — A ARTE DO ÍCONE El arte del ícono — Teología de la Belleza, Paul Evdokimov, Publicaciones Claretianas, colección Teología 2 — Ortodoxia II, Madrid, 1991, 364 pp., ISBN 84-86425-98-0

Contribuição e tradução de Antonio Carneiro do Capítulo VI — páginas 193 -194

O fundamento bíblico do ícone

A lei do Antigo Testamento proibia as imagens, pois teriam posto em perigo a pureza do culto ao Deus “invisível”. Somente a arte ornamental das formas geométricas traduzia o sentimento do Infinito. Entre os muçulmanos a arte não figurativa, os arabescos, a decoração poligonal, reforçaram a mesma noção de uma transcendência radical de Deus.

A distância se engrandece perigosamente pelo fato de que o homem se distanciou de sua semelhança inicial com Deus e se fundiu na diferença. Pelo contrário, o plano angélico conservou intacto sua natureza de “Segunda Luz”, receptáculo puro da Luz Divina, até o ponto de que a representação esculpida dos anjos era inclusive ordenada por Deus. O mundo celeste dos espíritos, destinado a servir ao homem, encontra, a fim de cumprir este mistério, sua expressão artística, sua forma humana: na Arca da Aliança, o Antigo Testamento nos deixou o ícone esculpido dos querubins. Estes se situam no Tabernáculo; sua presença neste lugar expressa seu ministério litúrgico, mas não serve em absoluto como obra de arte e isso já é toda a filosofia da arte sagrada. Assim, antes da Encarnação, por temor à idolatria, toda expressão do celeste se limitava ao mundo dos anjos. Mas, tem-se que compreender, para não cair de novo sob a lei, que esta limitação é somente a purificação de uma espera, uma profecia sobre o Advento do ícone em Cristo.

No texto do Êxodo (25, 17-18) diz: “Terás um ‘propiciatório’ e em seus dois extremos colocarás dois querubins.” “Propiciatório” — “Kapporêt” — vem de “cobrir” e também de “fazer expiação”. Esta lâmina de ouro com que se recobre a Arca, segundo o texto, é o lugar onde “Deus aparece” e “desde onde Ele fala”.

O ícone da Ressurreição de Cristo decifra este simbolismo profético. Mostra uma lâmina (que representa a tumba vazia e reproduz a lâmina da Arca) sobre a qual se abandonam as vendas funerárias, e nos dois extremos aparecem dois querubins frente às mulheres portadoras dos aromas. Esta reprodução exata do “propiciatório” revela agora, em cristo, seu verdadeiro significado e ao mesmo tempo mostra que esse mesmo valor da Presença é inerente a todo ícone: “aqui é onde YHWH aparece e daí fala”.

Na Festa da Ortodoxia, Festa do Ícone, a Igreja, pelas duas leituras que escolhi do Evangelho (Mt 18,10 e Jo 1,43-51), mostra que os anjos multi-oculares (Querubins) tem o dom de contemplar a Luz Divina, e que após a Encarnação todos os fiéis recebem este dom angélico que tão evidentemente expressa o ícone.

Cristo libera os homens da mitologia e dos ídolos, não “negativamente”, suprimindo a imagem, mas sim “positivamente”, revelando o verdadeiro rosto humano de Deus. Se a divindade por si só escapa de toda representação e se a humanidade, separada do divino, já não significa nada, é porque a “humanidade de Cristo é o ícone de sua divindade”, como está proclamado no Concílio VII. “Lumen de Lumina”, o Filho — o Cristo Total — é o “esplendor”, “efígie”, “imagem”, o único ícone de Deus. O humano se afirma em sua função iconográfica: imagem visível do invisível. Seu fundamento bíblico remonta a criação do homem “ a imagem de Deus”. Interrompida pela queda, sua plenitude se realiza em Cristo e passa aos “cristificados”, àqueles nos quais “Cristo se formou” (Gal 4,19), aos “cristóforos”, aos “muito semelhantes”. Deus em si-mesmo transcende toda imagem, mas sua Face voltada em direção ao mundo se apropria do visível, encontra uma imagem adequada ao mistério de sua filantropia: a figura humana. Acima do possível abismo da queda, Deus, segundo os Padres, esculpia o rosto humano em sua Sabedoria a humanidade de Cristo. “O Verbo passou em adão antes de todos os séculos”, disse Metódio de Olimpos, e São Atanásio: “Deus criou o mundo para se fazer homem nele e para que se fizesse Deus no mundo pela graça”. A Encarnação vem de Deus, de seu desejo de se fazer Homem e de fazer de sua Humanidade uma Teofania, um lugar e um ícone vivente de sua Presença.

Notas: