Olivier Clément — Fontes — Os Místicos Cristãos das Origens Nossa tradução do original em francês
Irmãos, nossos anos duram? Não se desfazem dia após dia. Aqueles que se apagam não mais são, aquele que virão ainda não são. Uns são passados, os outros não advirão a não ser para passar por sua vez. O hoje não existe a não ser no instante onde falamos. As primeiras horas passaram, as outras não existem ainda, elas virão, mas para bascular no nada (...). Ninguém possui em si mesmo a estabilidade. O corpo não possui o ser, não habita nele mesmo. Muda com a idade, muda com o tempo e os lugares, muda com as doenças e os acidentes. Os astros também não têm estabilidade; têm suas modificações secretas, evoluem no espaço (...), não são nada estáveis, não são o ser.
O coração do homem também não é estável. Que pensamentos, que elãs o agitam, que volúpias o sacodem e o dilaceram! O espírito mesmo do homem, dotado de razão que seja, muda, não tem ser. Quer e não quer, sabe e ignora, lembra-se e esquece-se. Ninguém possui em si a unidade do ser (...) Depois de tantos sofrimentos, doenças, dificuldades e penas, retornemos humildemente em direção a este Uno. Entremos nesta cidade cujos habitantes participam do ser ele mesmo.
Eis porque a metanoia, esta grande «conversão» da inteligência e do coração, de toda nossa apreensão do real é filha da esperança. É a renúncia ao desespero.
A comunhão com Deus é a vida, e a separação de Deus, é a morte.
Uma vida sem eternidade é indigna do nome “vida”. Só é verdadeira a vida eterna.
Abba Antão disse: “Um tempo vem onde os homens se tornarão loucos, e quando eles encontrarão alguém que não é louco, se voltarão para ele dizendo: 'és irracional'. E isto porque ele não lhe assemelha.
Quem te deu a contemplar a beleza do céu, o caminho do sol, a lua redonda, milhões de estrelas, a harmonia e o ritmo que emanm do mundo como de uma lira, o retorno das estações, a alternância dos meses, o ritmo do ano, a partilha do dia e da noite, os frutos da terra, a imensidade do ar, a imóvel fuga das ondas, os rios amplos, o canto do vento? Quem te deu a chuva, a agricultura, os alimentos, as artes, casas, leis, uma república, costumes cultos, amizade por teu semelhante?
”Tua sabedoria foi para mim um objeto de admiração” (Sl 138,6). “Te benzerei porque tu é admirado com um temor sagrado” (ibid, 14) (...) Numerosas são as coisas que admiramos, mas não com medo, por exemplo a beleza das colunas, das obras de arte da pintura, ou dos corpos em sua glória. Admiramos também a imensidade e o abismo infinito do mar, mas então com medo, quando nos debruçamos sobre este abismo. Assim mesmo o escritor sagrado, estando debruçado sobre o oceano infinito, abissal, da Sabedoria de Deus, foi tomado de vertigem. Admirou com tremor e recuou dizendo: “Eu te benzerei porque tu és admirado com um temor sagrado; admirável são tuas obras”. E também: “Tua sabedoria foi para mim um objeto de admiração (...), me é impossível apreendê-la”.