JEAN-CLAUDE LARCHET — CORAGEM
Excertos traduzidos de TERAPÊUTICA DAS DOENÇAS ESPIRITUAIS
Vimos que pelo pecado o poder irascível se tornou doente, o homem o utilizando para cumprir as vontades do diabo e dos demônios, a lutar pela realização dos desejos da carne e a aquisição e a conservação dos prazeres sensíveis, para favorizar o exercício das paixões e para satisfazer o amor de si.
A cura desta faculdade não poderia se cumprir por sua inibição ou sua eliminação. Esta faculdade não somente é útil e dá ao homem os maiores serviços como frequentemente lembram os Padres, mas ela é para ele um instrumento indispensável para alcançar dos bens divinos, segundo o ensinamento do Cristo Ele mesmo: «O Reino dos céus é tomado por violência, este são os violentos que dele se amparam» (Mt 11,12); «o Reino dos céus é anunciado, e cada um usa de violência para aí entrar» (Lc 16,16).
Logo convém não mortificar esta faculdade, mas de convertê-la para pô-la em obra «de uma maneira justa, tal qual ela foi criada por Deus».
É assim lutando contra o mal sob todas as suas formas que o homem redá ao poder irascível de sua alma o uso que convém a sua natureza, que corresponde a sua finalidade normal, e constitui sua saúde, pois é com esta finalidade que ele lhe foi dado por Deus como uma arma.
Trata-se em primeiro lugar de utilizar o poder irascível para combater o pecado e as paixões, aí compreendida a paixão de cólera que é constituída por seu próprio uso perverso. Comentando esta recomendação do salmista: «Ponha-se em cólera e não peque» (Sl 4,5), Cassiano escreve: «Não diz ele com evidência: Irritai-vos contra vossos vícios e vossa cólera?» Ele faz ainda notar: «Mesmo a excitação da cólera, compreende-se, pode nos ser muito salutar a fim de que, nos aborrecendo contra nossos vícios e nossos desgarramentos, nos apliquemos todavia às virtudes e aos exercícios espirituais».
A irascibilidade deve ter por função mais geral a luta contra o homem velho e suas más tendências, o combate contra «o homem dos desejos da carne». «Devemos pôr em ação [...], a parte irascível da alma contra nosso homem exterior [...]. Está escrito: «Elevem-se contra o pecado», quer dizer: «Elevem-se contra vós mesmos», escreveu Hesíquio de Batos.
Neste uso virtuoso, a irascibilidade pode ser assimilada à virtude da coragem (andreia). É assim que Evágrio escreve: «Quando a virtude está na parte irascível, ela se chama coragem», e são Máximo, assim como: «Segundo a natureza, a cólera é coragem».