Pascoa Fiéis

PÁSCOA — SACRAMENTO DA PÁSCOA
A Páscoa dos fiéis
O Batismo, «sacramento da Ressurreição» (S 210, 3), introduz o fiel numa vida nova que principia com a remissão dos pecados passados, mas que só na ressurreição dos corpos será perfeita. Os recém-batizados hão-de saber e experimentar a maturidade desta vida, mas não a morte. Doravante têm parte numa saúde (salus) plena, a qual, como não enfraquece nem se estraga (non transit), é muito mais estimável que a do reino animal que tanto apreciamos. Assim recria os homens a misericórdia de Deus que os criou.

O Sacramento da Páscoa consiste em ir, sem interrupção, passando da morte à vida, em chegar desde agora a esta vida nova; esta passagem cumpre-se na Páscoa de Cristo; a ressurreição d’Ele é o sacramento por excelência que a prefigura e significa: «Se, pois, morremos n’Ele, também ressuscitaremos n’Ele e Ele é que morre em nós e ressuscita em nós, porque Ele é que é a unidade da cabeça e do corpo (En. in Ps. 62, 2). Porque a passagem desta vida mortal à outra vida, imortal, quer dizer, da morte à vida, mostra-se na Paixão e Ressurreição do Senhor (Epist. 55, 2). O Senhor, pela sua Paixão, passou da morte à vida, e a nós, que cremos na Ressurreição d’Ele, abriu-nos caminho para também nós passarmos da morte à vida (In Ps. 120, 6). Na cabeça, deu-se aos membros do corpo a esperança; já que a cabeça passou, os membros hão-de sem dúvida nenhuma segui-la (In Jo. Eu. 55, 1).

A páscoa dos Hebreus, a saída vitoriosa do Egito, era sacramento de um sacramento: «Somos libertados da perdição deste mundo, como do cativeiro e da escravidão do Egito, e realizamos a mais libertadora das passagens quando nos passamos do demônio para Cristo, para não passarmos (ao nada) com o mundo que passa.» (In Jo Eu. 55, 1.)

Passar de Satanás a Cristo (Tr. in Jo. Eu., 55, 1), passar, como recomenda o Apóstolo, de Adão a Cristo (S Guelf., 19, 2), do homem velho ao homem novo, do fermento velho aos ázimos (Epist., 55), passar absolutamente do velho ao novo (En. in Ps. 38, 9), realiza-se nunc in spe, tunc in re (En. in Ps. 38, 9) (agora em esperança depois em realidade), porque andamos agora pela enquanto neste corpo mortal peregrinamos longe do Senhor (S Dinis, 8, 1). Vencedores como Jacob, mas feridos como ele (benedictus et claudus; S 5, 8; S Guel., 10, 2, 3), é preciso que continuemos até à aurora a peleja com o Anjo animando-nos à luta, como os monges da Numídia, com este santo e senha: «Se queres vencer», ou como os da Pronconsular e das províncias orientais do Vicariato: «Pela tua coroa.» Mas é necessário, ao mesmo tempo, que de antemão nos exercitemos para a vida bem-aventurada que se encontra para além da luta; porque «ninguém será idôneo para a vida futura, senão quem desde agora se tiver exercitado para a viver». (En. in Ps. 148, 1.)

A liturgia pascal tem para isto valor de exercício. Os cinquenta dias depois da Páscoa simbolizam a bem-aventurança. Vivê-los com a Igreja é fazer a aprendizagem da vida eterna. «O número cinquenta simboliza aquela alegria que ninguém nos pode arrancar; na vida presente ainda não a gozamos, mas depois da solenidade da Paixão do Senhor, desde o dia da ressurreição d’Ele em que deixamos os jejuns, celebramo-la fazendo ressoar o Aleluia em louvor e glória do Senhor (5 210, 8). Então realmente, depois dos dias do nosso abatimento (os quarenta dias antes da Páscoa), o nosso gosto é significar ou dar uma imagem do tempo da nossa grandeza, antecipando-nos com meditá-la já que não podemos ainda vê-la claramente e fruí-la.» (S 206, 1).

Até ao Pentecostes, os fiéis, em sinal da Ressurreição, não tornam a jejuar; rezam de pé (Epist. 55, 28); cantam o Aleluia (ibid.). Este canto tem também, de algum modo, valor de sacramento, é sinal profético. «O homem novo canta um cântico novo. Cantamo-lo nós, cantaste-lo também vós, recém-nascidos, que há pouco fostes por ele renovados; cantamo-lo convosco nós que fomos redimidos com o mesmo preço. Que alegria, meus irmãos, que alegria na vossa reunião, que alegria nos salmos e hinos, que alegria na memória da Paixão e Ressurreição de Cristo, que alegria na esperança da vida que há-de vir! Se o que esperamos nos dá tão grande alegria, que será quando o tivermos?! São tais estes dias que quando ouvimos o Aleluia sentimos transfigurado o nosso espírito. Não é verdade que saboreamos já um não sei quê daquela cidade do alto?» (S Guelf. 8, 2.)

Noutras igrejas, o Aleluia canta-se em diversas ocasiões; na África ou pelo menos em Hipona, reserva-se para o tempo pascal (Epist. 55, 2); de modo que os cristãos esperam com alguma nostalgia (S Guelf. 8, 2) a volta deste canto de alegria, este grito vitorioso da sua Páscoa.

É evidente o substrato paulino desta doutrina. Citam-se aliás com bastante frequência os textos de S. Paulo1.

NOTAS


  1. S. Paulo é citado 288 vezes e S. João 93. As epístolas citadas com mais frequência são: Romanos, antes de todas; depois I Coríntios, a seguir Efésios. As citações mais frequentes são: í Coríntios, 15, Efésios, 5 e Romanos, 10.