NATAL — PIUS PARSCH — NO MISTÉRIO DO CRISTO
O Ciclo do Natal
O Ano santo da Igreja está dividido, como o ano comum, em duas partes. A primeira, deixando as trevas, dirige-se para a luz; é o ciclo do Natal. Na outra, reina a luz, a vida vence a morte: é o ciclo pascal. Os dois ciclos são relacionados entre si, o primeiro é por assim dizer o prelúdio do segundo. Cada ciclo é no entanto independente; cada qual tem uma época de preparação, um tempo de festa e uma prolongação.
Entramos primeiro no ciclo do Natal. Esse tempo nos impressiona profundamente. Esse combate que nos leva através da noite para a luz é deveras empolgante. Além disso, as aspirações e a expectativa do Advento correspondem ao anseio do coração humano pelo céu. A história da infância de Jesus com seu cunho de intimidade, e, sobretudo, a festa do Natal das famílias cristãs, fazem desse tempo o mais belo do ano.
A liturgia nos convida, entretanto, a investigarmos mais profundamente. Se perguntarmos: Que celebramos no tempo do Natal? a resposta é esta: a vinda do Cristo. Advento significa: vinda. Epifania quer dizer: aparição ou chegada. A celebração da vinda do Senhor é por conseguinte, o conteúdo do tempo do Natal.
Poder-se-ia perguntar: de que vinda se trata, desde que sabemos que ha uma dupla e mesmo tripla vinda do Senhor? A primeira vinda se realiza na carne, quando o Verbo se fez Homem; a segunda se realizará no poder e na glória, no último juízo. Entre as duas há ainda outra vinda do Senhor. Cristo disse certa vez: “Se alguém me ama, meu Pai o amará e viremos a Ele e d’Ele faremos nossa morada (João, IV, 33). É a vinda do Cristo na graça. Perguntamo-nos: a que vinda se refere a Igreja no tempo do Natal? Nos últimos meses do Ano litúrgico, a Igreja já nos preparou para a vinda do Cristo. Já era um Advento, porém um Advento muito diferente.
A comparação desses dois Adventos nos permitirá conhecer melhor os característicos de cada um deles. Pelo fim do Ano eclesiástico a Igreja nos apresentou a segunda vinda do Cristo, a vinda no poder. Caminhávamos ao encontro do Senhor que deve vir, numa expectativa crescente porém como que hesitando. No último domingo, o Rei e Juiz permanecia diante de nós em sua majestade. O fim do Ano eclesiástico era assim uma preparação à segunda vinda do Cristo, à Parusia. Como a liturgia trabalha também para o presente, voltava constantemente à nossa vida presente e mostrava-nos a Parusia como um poderoso motivo de mudança de vida. Na luz da volta do Senhor devemos dirigir a nossa vida.
Dá-se o contrário no tempo do Natal. Aqui a vinda do Cristo não é o fim do drama, é o seu começo. É possível que na antiguidade o pensamento da segunda vinda tenha sido mais fortemente demonstrado. Hoje tem importância secundária. Os Cristãos de hoje, celebrando o Natal, não pensam seriamente no segundo Advento do Senhor. O primeiro nos ocupa integralmente. Nele vemos, aliás, uma imagem e um símbolo, ou, para dizer melhor, o drama sagrado da vinda do Cristo em nossas almas pela graça. É o que particularmente exprime o ciclo do Natal. Podemos dizer, por conseguinte, que, no fim do Ano eclesiástico, a Igreja visa mais especialmente o futuro; este auxilia o tempo presente. O ciclo do Natal, ao contrário, tem o presente por ideia central; o passado é apenas imagem e símbolo, e o futuro apenas aparece palidamente no horizonte.
Assim, pois, a tríplice vinda do Cristo é o objeto do ciclo do Natal. A liturgia encara o fato histórico da primeira vinda, visa a visita atual pela graça e olha, em perspectiva profética, a volta do Senhor. Constatado isso, compreenderemos melhor os textos e celebraremos esse tempo com fruto mais abundante.
A vinda do Senhor nos é agora apresentada de maneira dramática em uma tríplice série de imagens:
1. Uma série histórica de imagens: a vinda do Senhor na carne. Estas imagens mostram-se através de todo o ciclo. Durante o Advento assistimos aos acontecimentos que precederam ao nascimento: a Anunciação, a Visitação e a dúvida de S. José; no Natal somos testemunhas do Nascimento, da adoração dos pastores e da Circuncisão; na Epifania, lemos a adoração dos Magos e, depois, a história da Infância e outras cenas da vida do Senhor. Esta série de imagens corresponde à primeira vinda do Cristo.
2. Uma série escatológica de imagens, isto é, da volta do Senhor. Compreende-se que estas imagens sejam obscuras e veladas pois pertencem ao futuro. O primeiro domingo do Advento está no primeiro plano. Tornam-se depois, as imagens, sempre mais apagadas e invisíveis. Elas representam a segunda vinda do Senhor.
3. Uma série simbólica de imagens: a visita do Rei divino a Jerusalém, sua Esposa. Durante o Advento, assistimos aos preparativos, cada vez mais ativos, da Igreja, para a visita e as núpcias do Rei. Ouvimos os apelos do arauto. É-nos permitido participar da recepção do Rei e mesmo assentar-nos no banquete das núpcias. Esta série de imagens corresponde à vinda do Cristo na graça. Esta vinda se torna uma realidade: podemos penetrar no coração da festa e mesmo transportar o cenário para dentro de nossa alma. Na “Ecclesia” somos, nós mesmos, a cidade de Jerusalém que o Rei visita; nossa alma é a esposa que Ele vem desposar e conduzir às núpcias.
Essas três imagens se revezam e se entrelaçam nos textos litúrgicos; ora uma brilha mais, ora outra; ora aparece uma através da outra. É justamente esse entrelaçamento que empresta à liturgia do ciclo do Natal um cunho tão poético e tão dramático. A alma encontra sempre alimento para a fantasia, a sensibilidade e a inteligência.
Um pensamento ainda: É preciso considerar o Ciclo do Natal como formando um todo único. É como um grande dia de festa. A aurora desponta com o primeiro domingo do Advento, (“É tempo de despertarmos”) o sol brilha no horizonte no dia do Natal, está a pino no dia da Epifania, e a festa da Purificação é o seu ocaso. Cristo, “a Luz do mundo,” o verdadeiro Sol, é o centro do ciclo do Natal.
Liturgia do Advento