Palamas Gouillard

Gregório Palamas — Seleção de Jean Gouillard
DA ORAÇÃO E DA PUREZA DO CORAÇÃO
1. Deus é o Bem em si, a própria Misericórdia e um abismo de Bondade; ou antes, ele contém esse abismo e excede todo nome e todo conceito possíveis. Assim, não há outro meio de obter sua misericórdia, a não ser a união. Unimo-nos a Deus partilhando, tanto quanto possível, as mesmas virtudes (arete), e também por essa relação de súplica e união que se estabelece na oração (euche).

A participação das virtudes (arete), pela semelhança que instaura, tem como resultado dispor o homem virtuoso a receber Deus. Incumbe ao poder da oração (euche) operar essa recepção e consagrar misticamente o impulso do homem para o divino e sua união com ele — pois ela é o vínculo das criaturas racionais com o seu Criador — sob a condição, no entanto, de que a oração (euche) tenha ultrapassado, graças a uma compunção (katanyxis) inflamada, o estágio das paixões e dos pensamentos (logismos). Porque um espírito apegado às paixões não poderia pretender a união divina. Enquanto o espírito orar com esse tipo de disposição, não obterá misericórdia; em contrapartida, quanto mais conseguir afastar os pensamentos (logismos), maior compunção (katanyxis) vai adquirir e, proporcionalmente à sua compunção (katanyxis), mais vai participar da misericórdia e de suas consolações. Se ele perseverar nesse estado com humildade (tapeinophrosyne), vai transfigurar inteiramente a parte apaixonada da alma (psyche).

2. Quando a unidade do espírito uno se torna trina, sem deixar de ser una, é então que o espírito se une à Mônada trinitária suprema, impedindo ao erro todas as passagens, e dominando a carne, o mundo e o príncipe deste mundo. O espírito escapa, assim, de uma vez, à ação (praxis) deles, e fica totalmente em si mesmo e em Deus, gozando da exultação espiritual que surge nele, enquanto permanece nesse estado. A unidade do espírito torna-se trina permanecendo una, quando o espírito se volta para si mesmo e sobe de si mesmo para Deus. A conversão do espírito a si mesmo consiste em guardar-se; sua ascensão para Deus opera-se, antes de tudo, pela oração (euche): algumas vezes, oração (euche) condensada e concentrada, outras vezes oração (euche) mais extensa, que exige, então, maior esforço. Quem persevera nessa concentração do espírito e nesse impulso para Deus, contendo com energia as evasões do pensamento, aproxima-se de Deus no interior; entra na posse de bens inefáveis, prova o século futuro, conhece pelo sentido espiritual o quanto o Senhor é bom, conforme a palavra do salmista: “Provai e vede como o Senhor é bom!” ( SI 34,9 ).

Chegar à trindade do espírito, guardando-o uno ao mesmo tempo, e juntar a oração (euche) a essa guarda, não é tão difícil. Mas perseverar por muito tempo nesse estado gerador de inefável, é a própria dificuldade. Em comparação, o esforço de qualquer outra virtude (arete) é insignificante e leve. Eis aí por que muitos renunciam à concentração da virtude (arete) de oração (euche) e não chegam aos grandes espaços abertos dos carismas. Porém, maiores socorros divinos esperam aqueles que têm paciência; socorros que os sustentam e os fazem avançar com júbilo, tornam fácil para eles a própria dificuldade e lhes conferem uma aptidão, por assim dizer, angélica; enfim, permitem à natureza humana viver na familiaridade das naturezas que a ultrapassam. O profeta disse: “Os que têm paciência voam como águias, adquirem novas forças” ( Is 40,31 ).

3. O espírito é também o ato ( energia ) do espírito, que consiste em pensamentos (logismos) e conceitos. É também a potência que produz esses efeitos e que a Escritura chama “coração (kardia)”- é a rainha de nossas potências, a que justifica nossa qualidade de alma (psyche) racional. O ato do espírito — seus pensamentos (logismos) — é facilmente regrado e purificado quando nos entregamos à oração (euche), sobretudo à oração (euche) monológica. Mas a potência que produz esse ato só é purificada quando todas as outras potências se purificam também. Pois, a alma (psyche) é uma essência de múltiplas potências; se resultar um mal de alguma destas, ela ficará inteira contaminada: todas se comunicam na mesma unidade. Pelo fato de cada potência ter seu ato próprio, é possível, com certa aplicação, purificar por algum tempo um ato qualquer. A potência não será purificada por isso, pois ela se comunica com as outras e fica, assim, mais impura que pura.

Suponhamos alguém que, por assiduidade à oração (euche), tenha purificado o ato de seu espírito; tenha experimentado uma iluminação parcial, seja da luz da ciência, seja do brilho espiritual. Se achar que, por isso, está purificado, ilude-se; e, por presunção, escancara a porta àquele que só espera a ocasião de enganá-lo. Se, ao contrário, avaliar a impureza de seu coração (kardia) e, em vez de se elevar por causa dessa pureza parcial, ele se fizer meio e auxiliar seu, verá com maior nitidez a impureza das outras potências da alma (psyche); progredirá na humildade (tapeinophrosyne), aumentará continuamente a compunção (katanyxis) e descobrirá os remédios apropriados a cada potência da alma (psyche). Por meio da ação (praxis), purificará as faculdades ativas; através da ciência, as faculdades de conhecimento; pela oração (euche), a faculdade contemplativa. Esse itinerário o conduzirá à pureza perfeita, verdadeira, estável, do coração (kardia), e do espírito. Ninguém poderia conseguir isso, a não ser pela perfeição da ação (praxis), da contrição perpétua, da contemplação (theoria) e da oração (euche) contemplativa.

  • A APOLOGIA DOS SANTOS HESICASTAS
  • O TOMO HAGIORÍTICO