Palamas Excertos

S. Gregório Palamas — Jean Meyendorff
Excertos do excelente livreto em francês sobre Palamas de Jean Meyendorff
Saint Grégoire Palamas et la mystique orthodoxe

“Chama da ortodoxia, fundamento e doutor da Igreja, modelo dos monges, aliado invencível dos teólogos, oh Gregório, taumaturgo, orgulho da Tessalônica, arauto da graça, que tua súplica pela salvação de nossas almas não se interrompa jamais.”
Hino a São Gregório Palamas cantado pela Igreja ortodoxa em sua liturgia do segundo domingo da Quaresma.


Afirmo que entre os dons de Deus alguns são naturais: acordados a todos sem discernimento, antes da lei, sob a lei e depois da lei; outros são sobrenaturais, espirituais e particularmente misteriosos; considero este últimos superiores aos primeiros, como àqueles que foram julgados dignos da sabedoria do Espírito são superiores a toda a tribo helênica; afirmo também que um dos dons naturais de Deus é a filosofia, assim como as descobertas da razão humana, as ciências… Admito para cada uma a honra que lhe cabe… (Tríades II, I §25)


Alguns homens menosprezam a meta proposta aos cristãos, sob pretexto que é muito modesta: os bens indizíveis que nos foram prometidos para o século a vir! Não tendo conhecimento a não ser da ciência experimental, a introduzem na Igreja daqueles que praticam a sabedoria do Cristo. Aqueles que não possuem conhecimentos científicos, os primeiros declaram, são ignorantes e seres imperfeitos: todos devem se dar integralmente aos estudos helênicos, negligenciar as doutrinas do Evangelho (estes, com efeito, não se despojam de modo algum da ignorância de suas ciências) e se afastar, ironizando, daquele que diz: “Tornem-se perfeitos” ( 1Cor. XIV, 20; Mat. V,48). “Se se está em Cristo, se é perfeito” ( Filipenses, III, 14-15; Col. I, 28) e “Pregamos entre os perfeitos” ( 1Cor. II,6)… Não é portanto se despindo desta ignorância, mas se despojando da ignorância concernindo Deus e os dogmas divinos (ignorância que nossos teólogos interditaram), é se dando totalmente a um gênero de vida melhor, que serás preenchido da sabedoria de Deus e se tornarás realmente a imagem e semelhança de Deus. (Tríades, I, I §4)


O Filho de Deus, em seu incomparável amor pelos homens, não se limitou a unir sua Hipostase divina a nossa natureza, endossando um corpo animado e uma alma dotada de inteligência, para aparecer sobre a terra e viver com os homens, mas posto que ele se uniu, oh milagre incomparavelmente superabundante, às hipóstases humanas elas-mesmas, confundindo-se ele-mesmo com cada um dos fiéis pela comunhão a seu santo Corpo, pois que ele se tornou um só corpo conosco ( Efésios III,6) e fez de nós um templo da Divindade inteira — porque em um Corpo mesmo do Cristo habita corporalmente toda a plenitude da Divindade ( Col. II, 9) -, como não iluminaria ele aqueles que comungam dignamente com o raio divino de seu Corpo que está em nós, clareando sua alma, como ele iluminou os corpos mesmos dos discípulos sobre o Tabor ? Pois então este Corpo, fonte da luz da graça, ainda não estava unido a nosso corpos: ele iluminava de fora àqueles que aproximavam-se dignamente e enviava a iluminação à alma por intermédio dos olhos sensíveis; mas hoje, pois que ele confunde-se conosco e existe em nós, ele ilumina a alma justamente do interior. (Tríades I, 3, 38).


Irmão! Ouvis agora o Apóstolo dizendo que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo que está em vós” ( Coríntios I, 6:19) e, ainda, que ‘vós sois o templo de Deus’ (Coríntios I,3:26), como Deus também diz: “Eu habitarei neles e andarei entre eles, e serei o seu Deus” ( Coríntios 2, 6:16)? Quem então, possuindo um espírito, o considerará indigno de ser posto em relação com aquilo a que foi concedida a honra de ser a habitação de Deus? Como é que o próprio Deus, no início, pôs o espírito no corpo. Agiu ele também erradamente? Essas palavras, irmão, pertencem na verdade aos heréticos, que dizem que o corpo é mau e a criação de um princípio mau. Mas nós consideramos mau o espírito estar ocupado com as exigências da carne, e não com o fato de estar no corpo, porque o corpo não é mau… Quando o Apóstolo chama de morte o corpo, dizendo: “Quem me livrará do corpo desta morte?” ( Romanos 7:24), quer dizer com isso as inclinações dos sentidos e da carne… Por isso, nós lutamos contra esta lei do pecado, banimo-la do corpo e estabelecemos nele o espírito como um bispo; e, desse modo, instituímos leis para cada poder da alma e cada membro do corpo como é apropriado a ele. Aos sentidos prescrevemos o que devem receber e em que medida: esta prática da lei espiritual é chamada auto-domínio: a parte da alma que deseja, nós levamos a este excelente estado cujo nome é amor: a parte mental nós aprimoramos banindo tudo que impede o espírito de elevar-se a Deus: e esta parte da lei espiritual chamamos sobriedade…

Vede, irmão, que não apenas a razão espiritual, mas a razão humana geral mostra a necessidade de reconhecer como um imperativo que aqueles que desejam pertencer a si mesmos e serem verdadeiramente monges em seu homem interno deveriam dirigir o espírito para o interior do corpo e mantê-lo ali. Não é inoportuno ensinar mesmo aos iniciantes a manter a atenção em si mesmos…

Um dos grandes mestres ensina que desde a queda do homem o interior comumente corresponde ao exterior (aos movimentos e posturas exteriores). Se isso é verdade, por que não aceitar que um homem que se empenha em voltar o seu espírito para o interior é grandemente ajudado nisso se, em vez de deixar os seus olhos vagarem daqui para ali, ele os volta para dentro e os fixa na respiração? Quando os olhos vagueiam exteriormente, a mente se torna dispersa em meio às coisas, vendo-as. Do mesmo modo, se os olhos se voltam para dentro, esse seu movimento naturalmente conduzirá também a mente para dentro do coração do homem que se empenha em inverter o movimento do seu espírito, isto é, fazê-lo voltar-se do exterior para o interior.

‘Guarda-te; não te deixes surpreender do ímpio pensamento no teu coração’ (Deuteronômio 15:9). Presta atenção a ti mesmo, isto é, à tua totalidade; não para que atentes para uma só coisa e não para outra; deves estar atento à totalidade. Com que prestamos atenção? Naturalmente com a mente, pois nada mais pode prestar atenção à totalidade de si mesmo. Por isso, coloca-a como guardiã da alma e do corpo e facilmente te livrarás das paixões indignas da alma e do corpo. Assim, põe-te em guarda diante de ti, vigia-te, ou melhor, observa, examina e julga, pois desse modo subjugarás ao espírito a carne indisciplinada e o teu coração jamais abrigará uma secreta palavra de iniqüidade. (Tríades I, 2)