Santíssima Trindade — PAI-MÃE-FILHO
René Guénon: A GRANDE TRÍADE
Como veremos, em seguida, de modo mais completo, a Tríade extremo-oriental pertence ao gênero de ternários que são formados de dois termos complementares e de um terceiro termo que é o produto da união dos dois primeiros, ou dizendo melhor, de sua ação e reação recíproca; se tomarmos como símbolos imagens tiradas do domínio humano, os três termos de tal ternário poderão, portanto, de modo geral, ser representados como o Pai, a Mãe e o Filho1. Ora, é manifestamente impossível fazer corresponder esses três termos aos da Trindade cristã, em que os dois primeiros não são, de modo algum complementares e, de nenhuma forma, simétricos, mas em que o segundo é, ao contrário, derivado apenas do primeiro; quanto ao terceiro, embora proceda dos dois outros, essa procedência não é, de nenhum modo, concebida como uma geração ou filiação, mas constitui outra relação essencialmente diferente daquela, seja qual for a maneira, aliás, como se queira tentar defini-lo, o que não é necessário que examinemos aqui mais precisamente. O que pode originar algum equívoco é que aqui dois dos termos são designados ainda como o Pai e o Filho; mas, em primeiro lugar, o Filho é o segundo termo e não mais o terceiro e, depois, o terceiro termo não poderia, de modo algum, corresponder à Mãe, ainda que mais não fosse, mesmo na falta de outra razão, por ele vir depois do Filho e não antes. É verdade que certas seitas cristãs, mais ou menos heterodoxas, pretenderam tornar feminino o Espírito Santo e, desse modo, quiseram muitas vezes atribuir-lhe um caráter comparável ao da Mãe; mas é muito provável que, nisso, tenham sido influenciadas por uma falsa assimilação da Trindade com algum ternário do gênero do qual acabamos de falar, o que mostraria que os erros dessa espécie não são próprios exclusivamente dos modernos.
De resto, e para só permanecer nesta consideração, o caráter feminino atribuído assim ao Espírito Santo não combina, de nenhum modo, com o papel essencialmente masculino e “paternal”, bem ao contrário, que é incontestavelmente o seu na geração do Cristo; e essa observação é importante para nós, porque é aí precisamente, e não na concepção da Trindade, que se pode encontrar, no cristianismo, algo que corresponda, em certo sentido, e com todas as reservas sempre exigidas pela diferença de pontos de vista, aos ternários do tipo da Tríade extremo-oriental2.
De fato, a “operação do Espírito Santo”, na geração do Cristo, corresponde propriamente à atividade “não-eficaz” de Purusha, ou do “Céu”, segundo a linguagem da tradição extremo-oriental; a Virgem, por outro lado, é uma perfeita imagem de Prakriti, que a mesma tradição designa como a “Terra”3; e, quanto ao próprio Cristo, é ainda mais evidentemente idêntico ao “Homem Universal”4. Assim, se se quiser achar uma concordância, dever-se-á dizer, empregando os termos da teologia cristã, que a Tríade não se relaciona em absoluto com a geração do Verbo ad intra, inclusa na concepção da Trindade, mas com sua geração ad extra, isto é, de acordo com a tradição hindu, com o nascimento do Avatara no mundo manifestado5. Isso é, de resto, fácil de compreender, pois a Tríade, partindo da consideração de Purusha e Prakriti, ou de seus equivalentes, só pode efetivamente situar-se do lado da manifestação, cujos dois primeiros termos são os dois pólos6; e poder-se-ia dizer que ela preenche por inteiro, pois, como veremos em seguida, o Homem nela aparece verdadeiramente como a síntese dos “dez mil seres”, isto é, de tudo que está contido na integralidade da Existência Universal.
Egito Antigo: Osíris-Ísis-Hórus
É a esse mesmo gênero de ternários que pertencem também as antigas tríades egípcias, a mais conhecida das quais é a de Osíris-Ísis-Hóros. ↩
Notemos incidentemente que é de modo errado que em geral parecem crer que a tradição cristã não considera nenhum outro ternário a não ser a Trindade; poder-se-ia, ao contrário, encontrar muitos outros nessa tradição, mas aqui temos um dos exemplos mais importantes disso. ↩
Tal fato manifesta-se particularmente na figuração simbólica das “Virgens negras”, sendo a cor negra aqui o símbolo da indistinção da matéria prima. ↩
A esse propósito, lembraremos, uma vez mais, que não entendemos, de modo nenhum, contestar a “historicidade” de certos fatos como tais, mas que, muito ao contrário, consideramos os próprios fatos históricos como símbolos de uma realidade de ordem mais elevada, e é só a esse título que têm para nós algum interesse. ↩
A mãe do Avatâra é Mâyâ, que é a mesma coisa que Prakriti; não insistiremos sobre a aproximação que alguns quiseram fazer entre os nomes Mâyâ e Maria, e só o assinalamos a título de simples curiosidade. ↩
Ver L’HOMME ET SON DEVENIR SELON LE VÊDÂNTA, cap. IV. ↩