LOGIA DE JESUS – PAI GLORIFIQUE O FILHO (Jo XVII, 1-5)
1 Assim fala Iéshoua.
Ele eleva os olhos para o céu e diz:
«Pai, é chegada a hora: glorifica teu filho, para que o filho te glorifique.
2 Tu lhe deste autoridade sobre toda carne, a fim de que a tudo que tu lhe deste,
ele dê vida em perenidade.
3 Tal é a vida em perenidade: conhecer-te, o único verdadeiro Elohîms,
e àquele que tu enviaste, Iéshoua‘, o messias.
4 Eu te glorifiquei sobre a terra.
Terminei o trabalho que me confiaste.
5 E agora, glorifica-me, pai, junto a ti, com a glória
que eu tinha junto a ti antes que o universo existisse. [Chouraqui]
Mestre Eckhart: SERMÃO 46; SERMÃO 54
Joaquim Carreira das Neves: “Escritos de São João” [CNEJ]
Este último discurso de Jesus, sempre em monólogo, é uma oração que Jesus dirige ao Pai, a maior de todas nos evangelhos. A tradição classificou-a de “Oração Sacerdotal de Jesus” por causa do verbo “santificar” no v. 17:”Santifica-os (hagiazon) na verdade…” e 19:”e por eles santifico-me a mim mesmo (hagiazô emauton) para que eles sejam também santificados (hêgiasmenoi) na verdade.” Além do mais, no v. 11, o próprio Pai é invocado como “Pai “santo” pater hagie)!” Mas essa “santidade” nada tem a ver com o sacerdócio dos discípulos porque a “santidade” depende da “verdade” — pela verdade é que os discípulos são santificados. E que “verdade” é esta? Só pode ser a verdade da “revelação” ou da “palavra” do Jesus de todo o quarto evangelho, que se dirige aos discípulos joanicos de então e aos discípulos de todos os tempos. Não se trata duma “função” sacerdotal, mas duma vida cristã em que o Pai é o agente da ação (hêgiasmenoi é um passivo divino). E Jesus “santifica-se a si mesmo” na medida em que, por causa da “hora”, sempre foi totalmente obediente e fiel ao Pai. Jesus nunca fugiu à hora da Cruz1.
Este discurso final, em forma de oração, abre com dois tempos distintos: v. la: “Assim falou Jesus. v. lb: Depois, levantando os olhos ao céu, exclamou: Pai, chegou a hora!”. O v. la refere-se ao passado, a tudo quanto pronunciou até àquele preciso momento, e o v. lb refere-se ao presente e a tudo o que vai acontecer. Mas no decorrer da “oração” dirigida ao Pai, Jesus refere alternadamente o passado, o presente e o futuro como resumo do querer do desígnio do Pai sobre o Filho e sobre os discípulos.
Nos vv. 1-5, Jesus dirige-se exclusivamente ao Pai.
Antonio Orbe [AOCG]
O documento clementino pontualiza (tratando da Transfiguração): (O Senhor) pôs a nu a virtude que dEle sai “enquanto seja visível” aos “escolhidos para ver” (Stromata VI 16,140,3)
O mistério apresenta duas vertentes, segundo se olhe desde o Salvador ou desde os discípulos.
Desde a primeira, não teve Jesus que adotar novas formas. deixou a luz de sua pessoa — ou virtude do Pai — invadir e revestir o corpo, fazendo-lhe resplandecer na medida do possível aos testemunhos do monte. Descobriu a própria claridade ou doxa divina (Jo 17,5).
Segundo a outra vertente, os “escolhidos para ver” virão o corpo de Jesus resplandecente de luz espiritual (= divina).
NOTAS
Concordamos com Léon-Dufour, X., : “O contexto da hora que chega (17, 1) convida a compreender a expressão “Eu santifico-me” como sendo a livre e perfeita obediência ao Pai até à Cruz, pela qual Jesus abriu aos discípulos o acesso a Deus santo. Contrariamente à opinião de muitos autores, pensamos que traduzir hagiazô por “consagrar” não está certo, De fato, a perspectiva do texto não é a de um ato determinado que seja aqui sacrificial e que Jesus realizaria para resgatar os homens, mas a duma fidelidade total, na qual se devem manter também os discípulos.” Em nota, o autor apresenta o sentido diferente defendido por Feuillet, R., Le Sacerdoce du Christ et de ses ministres d’après la prière sacerdotale du quatrième évangile, (Éd. De Paris 1972) e de Behler, G. M., que escreve: “Todos os intérpretes, os modernos como os antigos, os católicos como os protestantes, concordam em compreender esta expressão: “Eu santifico-me por eles” com o sentido: “Eu ofereço-me em sacrifício” (Les Paroles du Seigneur, Cerf, 1960, p. 247s). Na origem desta interpretação está Crisóstomo: “Santifica-os”, que significa: “Coloca-os à parte (aphórison) pela palavra e pela pregação” (in Jo 82,1 = PG 59,443). Cf. ainda Delorme, J., « Sacerdoce du Christ et ministère. (A propos de Jean 17). Sémantique et théologie biblique”, RSR 62 (1974) 199-219. ↩