Padres Prece Atenção

Philokalia — Extratos dos Santos Padres
Tradução da versão francesa da Philokalia

Sobre a prece e a atenção
Todo o esforço do asceta deve portar sobre este ponto: que a altura da alma não seja revertida pela sublevação dos prazeres. Como a alma ligada em baixo pelo prazer da carne poderia tender ainda por um olhar livre para a luz inteligível à qual é aparentada? Por isto, antes de tudo, é preciso ser temperante: a temperança guarda em lugar seguro a castidade. A inteligência que nos guia não deve consentir em se deixar absorver pelos pensamentos impuros. A vigilância do homem interior é, portanto, necessária, se queremos que a inteligência não se perca nas divagações, mas se ligue à meta da glória de Deus, a fim de escapar ao julgamento do Senhor que diz: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia. (28) Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas interiormente estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade.” (Mt 23,27-28 )

Eis porque, pelo coração, pela palavra e pela ação, nos é necessário conduzir um grande e justo combate, a fim de não receber em vão a graça de Deus. Mas assim como a cera é modelada pela arte do escultor, também nosso homem interior é modelado pelo ensinamento de nosso Senhor Jesus Cristo. Realizamos então por toda nossa ação a palavra de Paulo, quando diz: “Não mintais uns aos outros, pois que já vos despistes do velho homem com os seus feitos, E vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento (gnosisepisteme), segundo a imagem daquele que o criou;” (Col 3:9-10). Ele chama de homem velho todos os nossos pecados e todas as nossas imundices. Revestimos o homem interior, diz ele, em sinal de nova vida até a morte, a fim de ser dignos de dizer em verdade: “Recomendando-nos somente que nos lembrássemos dos pobres, o que também procurei fazer com diligência” (Gal 2:10).

É preciso, portanto, muita atenção, muita vigilância para não faltar a nenhum dos deveres dos quais acabamos de falar, quando cumprimos os mandamentos. Pois então não somente seremos privados de uma grande recompensa, mas cairemos sob o golpe destas temíveis ameaças. Quando o diabo monta suas armadilhas e, com muita violência, envia os pensamentos como flechas inflamadas, que secreta dele mesmo contra a alma que vive na hesychia e na calma, quando ele a inflama subitamente, quando prolonga indefinidamente e torna indissolúvel a lembrança daquilo que foi uma vez lançado no espírito, então é preciso escapar a estas armadilhas por uma sobriedade e uma atenção mais intensa, como um atleta que, pela guarda mais precisa e a rapidez de seu corpo, busca a desfazer os propósitos de seus adversários. Enfim pela oração e a invocação da aliança do Alto, deve conter a guerra e desviar as flechas. É o que Paulo nos ensinou, quando diz: Tomando sobretudo o escudo da , com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do maligno” (Eph 6:16).

Logo quando a alma que relaxou o rigor e o ardor da reflexão (dianoia) se relembra por acaso de tudo que lhe aconteceu, então o pensamento, levado além de todo estudo e ciência para as coisas das ela se lembra e a princípio absorvidos por ela, vai de divagações em divagações maiores, e acaba freqüentemente por cair nos pensamentos (logismos) infames e absurdos. Mas se deve corrigir esta negligência e este estresse da alma por uma tensão mais rigorosa e mais vigilante (nepsis) da reflexão (dianoia); deve-se fazer a alma voltar-se a si mesma e lhe dar a considerar sempre o presente para aí ver a beleza (kallos).

Então oro para que enquanto estais em teu corpo não relaxe teu coração (kardia). Assim como o cultivador não pode jamais estar certo de qualquer fruto que venha de seu campo, pois não sabe o que se passará com este fruto antes de guardá-lo em seu celeiro, o homem não pode relaxar seu coração enquanto tem sopro em suas narinas.

É preciso sustentar um grande combate (agon), ter passado muito tempo em oração (euche), para descobrir a serenidade da reflexão (dianoia), assim como no outro céu, o céu do coração onde habita o Cristo. Se queremos alcançar este estado da inteligência (nous), há que se guardar de todo pensamento.

Então a inteligência se verá a ela mesma semelhante a uma safira celeste. Pois se ela não está mais alta que todos os pensamentos (logismos) que a atrelam às coisas, a inteligência (nous) não verá jamais nela o lugar de Deus. E ela não será mais alta, se não se despe das paixões (pathos) que pelos pensamentos a atrelam às coisas. Ela não superará as paixões a não ser pelas virtudes (arete); os simples pensamentos pela contemplação espiritual; e a contemplação ela mesma, quando a luz (phos) aparecer.