Orígenes Venha o teu Reino

Orígenes — Tratado da Oração

XXV Venha o teu Reino

1 Segundo a palavra do nosso Senhor e Salvador, “o Reino de Deus não vem de modo observável, nem poderá alguém dizer: Ei-lo aqui! ou ei-lo ali!, pois o Reino de Deus já está entre vós” (Lc 17,20). Na verdade, “a palavra está muito perto em nossa boca e em nosso coração” (cf. Dt 30,14; Rm 10,8). Assim sendo, é claro que orar para que venha o Reino de Deus, é orar retamente, porque, tendo em si o Reino de Deus, o orante pede que ele nasça, produza frutos e atinja a perfeição.

Pois em qualquer um dos santos, Deus reina, e cada santo obedece às leis espirituais de Deus, que nele habita como em uma cidade bem governada. O Pai lhe é presente, e com o Pai reina também o Cristo naquela alma perfeita, segundo as palavras que acima recordamos: “Nós viremos a ele e faremos morada nele” (Jo 14,23).

Eu creio que se deve entender por “Reino de Deus” o feliz estado da parte superior da mente e a boa ordem dos sábios pensamentos. E por “Reino de Cristo”, as palavras salvíficas que se dirigem aos ouvintes, e as obras perfeitas da justiça e das outras virtudes. Digo isto, porque o Filho de Deus é verbo e justiça (cf. 1 Cor 1,30).

Ao contrário, os pecadores sofrem a tirania do príncipe deste século. Pois, todo pecador é escravizado a este século iníquo, uma vez que não se abandonou “Àquele que se entregou por nós pecadores, a fim de nos livrar deste século iníquo, em conformidade à vontade de nosso Deus e Pai” , como está escrito na Carta aos Gálatas (1,4).

Estes, tiranizados pelo príncipe deste século com livre consentimento ao pecado, acham-se sob o reino do pecado. É por isso que Paulo nos ordena que não mais nos submetamos ao pecado, o qual quer reinar em nós: “Não reine o pecado no vosso corpo mortal, para que não obedeçais à sua concupiscência” (Rm 6,12).

2 Com relação às duas petições: “Santificado seja o teu Nome” e “Venha o teu Reino” , poderá alguém dizer: se uma pessoa ora, ora com a intenção de ser ouvida. Se às vezes é ouvida, é manifesto que para ela, segundo o que foi dito acima, será santificado o Nome de Deus e, por isso, virá para ela o Reino de Deus.

Ora, se conseguiu tal coisa, como poderá continuar razoavelmente a pedir aquilo que já obteve, como se ainda estivesse ausente? Neste caso, seria oportuno continuar a dizer: “Santificado seja o teu Nome” e “Venha o teu Reino” ? A esta objeção podemos responder assim: quem pede “palavras de ciência ou palavras de sabedoria” (1 Cor 12,8), sempre o pede com razão, pois, sendo escutado, aumentará a sua sabedoria e ciência.

Mas conhecerá somente “em parte”, por mais que possa conseguir na vida presente. O perfeito, que faz desaparecer o que é “em parte”, aparecerá “então”, quando a mente contemplar “face a face” as realidades inteligíveis, acima das percepções sensíveis (cf. 1 Cor 13, 9-12).

De igual modo, nenhum de nós poderá obter que seja santificado o Nome de Deus e venha o seu Reino, enquanto não alcançar a perfeição do conhecimento e da sabedoria, e provavelmente de outras virtudes também.

Nós fazemos progresso na perfeição, quando “esquecemos tudo que está para trás e nos lançamos para o que está adiante” (Fl 3,14). Então à medida que progredimos sem interrupção, alcançamos o cume do Reino de Deus que está em nós, cumprindo-se a palavra do Apóstolo: “Cristo, depois de haver submetido todos os inimigos, entregará o Reino a Deus Pai, para que Deus seja tudo em todos” (1 Cor 15, 24.28). Por causa disto, com a disposição de alma que se diviniza pelo Verbo, oremos sem cessar ao Pai nosso nos céus: “Santificado seja o teu Nome, venha o teu Reino”.

3 Sobre o reino de Deus, é preciso também perceber que, assim como “não há participação entre justiça e iniquidade, nem sociedade da luz com as trevas, nem acordo entre Cristo e Belial” (2 Cor 6,14-15), assim também o Reino de Deus é incompatível com o reino do pecado.

Portanto, se queremos Deus reinando em nós, de modo nenhum “reine o pecado em nosso corpo mortal” (Rm 6,12), nem obedeçamos a seus preceitos quando provoca a nossa alma a obras da carne e também a atos alheios a Deus.

Ao contrário, “mortifiquemos os nossos membros que estão sobre a terra” (Cl 3,5) e frutifiquemos no Espírito, a fim de que Deus passeie em nós como num paraíso espiritual. E só ele reine sobre nós, com o seu Cristo entronizado na alma à direita do poder espiritual que desejamos alcançar. Ali reine até que todos os seus inimigos venham a ser escabelo dos seus pés (cf. Sl 109,1).E desapareça de nós todo principado e potência e virtude do inimigo.

Tudo isto pode acontecer em cada um de nós, quando então, “o último inimigo, a Morte, será destruído”, a fim de que Cristo também diga em nós: “Onde, ó Morte, o teu aguilhão? Onde, inferno, a tua vitória?” (1 Cor 15,26.55). Então, portanto, o “corruptível, em nós, se vestirá daquela incorruptibilidade” que está na castidade e em toda pureza e santidade, e “o mortal” em nós, desaparecida a morte, se revestirá da “imortalidade” paterna (1 Cor 15,53-54), para que reinando Deus em nós, participemos dos bens da regeneração e da ressurreição (cf. Mt 19,28).