Origenes Prece a Deus

Orígenes — Tratado da Oração
XV A oração a Deus
1 Se bem entendermos o que seja a oração, não seria correto orar a nenhuma criatura, nem mesmo ao Cristo, mas somente ao Deus, Senhor de todas as coisas e Pai, ao qual o nosso Salvador orava, como acima dissemos (cf. X,2) e nos ensina a orar.

Ouvindo, com efeito, as palavras: “Ensina-nos a orar” (Lc 11,1), ele ensina a orar não a ele mesmo, mas ao Pai, dizendo: “PAI NOSSO, que estás no céu” , etc. (Mt 6,9). Porque, conforme se mostra em outro lugar , se o Filho é Pessoa distinta do Pai, segue-se que se deveria orar ao Filho e não ao Pai, ou então a um e outro, ou, enfim, só ao Pai. Ora, dizer que se deve orar ao Filho e não ao Pai, é uma afirmação absurda e contrária a toda evidência. Se é a um e outro que devemos orar, é claro que devíamos fazê-lo no plural, e diríamos em nossa oração: “Ajudai-nos, beneficiai-nos, concedei-nos, guardai-nos” e expressões semelhantes.

Tal coisa é absurda em si mesma. E ninguém pode demonstrar que nas Sagradas Escrituras alguém tenha falado assim. Em conseqüência, não resta senão a possibilidade de dirigir a oração somente a Deus, o Pai de todas as coisas, mas não separado daquele Pontífice que foi constituído pelo Pai com juramento: “Eu jurei e não me arrependerei: Tu és Sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec” (Sl 109,4).

2 Assim, quando os santos em suas orações dão graças a Deus, eles o fazem por meio de Cristo Jesus.

Deste modo, aquele que deseja orar corretamente, não convém que ore àquele que também ora, Jesus Cristo, mas, sim, àquele que nosso Senhor Jesus Cristo nos ensinou a invocar em nossas orações, isto é, ao Pai. Assim, nenhuma oração dirigida ao Pai deve ser feita sem Cristo.

É o que ele mesmo nos mostra claramente, quando diz: “Em verdade, em verdade, eu vos digo, se pedirdes ao Pai alguma coisa, ele vo-la dará em meu nome. Até agora não pedistes nada em meu nome. Pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja plena” (Jo 16,23-24).

Ele, com efeito, não disse: Pedi a mim. Também não diz: Pedi ao Pai, simplesmente, mas sim, “se pedirdes ao Pai alguma coisa, ele vo-la dará em meu nome”.

Até o dia em que Jesus ensinou isso, ninguém ainda pedira ao Pai em nome do Filho. Era, pois, verdadeiro o que Jesus dissera: “Até agora não pedistes nada em meu nome”. E verdadeira igualmente a outra palavra: “Pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja plena”.

3 Se alguém, perturbado pela palavra “adorar” (proskyneín), pensa que se pode orar ao próprio Cristo, porque no Deuteronômio se diz, em referência expressa ao Cristo, que “o adorem todos os Anjos de Deus” (Dt 32,43; Hb 1,6), a resposta a dar é a seguinte: a própria Igreja, que os profetas chamam de Jerusalém, deve ser adorada pelos reis e pelas rainhas que são os seus pais e mães nutridos, conforme se diz na seguinte passagem: “Eis que eu levanto a minha mão para as nações, e para as ilhas levantarei o meu estandarte. Elas trarão teus filhos em seus braços, e carregarão tuas filhas em seus ombros. E serão reis os teus protetores e princesas as tuas amas de leite. Com a face em terra te adorarão e lamberão o dos teus pés. E saberás que eu sou o Senhor, e que não se envergonharão os que em mim esperam” (Is 49, 22-23).

4 Segundo a mente daquele que disse: “Por que me chamas bom? Ninguém é bom, a não ser somente Deus, o Pai” (Mc 10,18; Lc 18,19), podemos supor que ele mesmo diria: Por que oras a mim? Somente ao Pai se deve orar, a quem eu próprio oro, conforme aprendeis das Escrituras. Não deveis, com efeito, orar àquele que para vós foi constituído Pontífice (cf Hb 5,3-6; 8,3), pelo Pai, e que o Pai vos deu como Advogado.

Deveis, sim, orar por meio do Pontífice, do Advogado “que pode compadecer-se das vossas fraquezas, provado em todas as maneiras como vós, salvo o pecado” (Hb 4,15). “Aprendei, pois, como é grande o dom que recebestes do meu Pai, pelo renascimento em mim, obtendo o espírito de filiação, para que possais chamar-vos filhos de Deus e meus irmãos (cf. Rm 8,14; Gl 4,5-6). Lestes o que, por meio de Davi, eu falei ao Pai por vós: “Anunciarei o teu nome aos meus irmãos, no meio da Igreja eu te louvarei” (Sl 21,23). Não é lógico, na verdade, que orem ao seu irmão aqueles que foram considerados dignos de ter com ele o mesmo Pai. Deveis, portanto, comigo e por meio de mim, dirigir a oração somente ao Pai”.