Origenes Pedir na Prece

Orígenes — Tratado da Oração
XIV O que devemos pedir na oração
1 Depois de ter explicado os benefícios advindos aos santos pela oração, pensemos nestas palavras: “Pedi as coisas grandes, e as pequenas vos serão acrescentadas”. “Pedi os bens celestes, e os bens terrenos vos serão acrescentados” (id.). Todos os bens simbólicos e típicos, em comparação com os bens verdadeiros e espirituais, são pequenos e terrestres. É bem por isso que o Verbo divino nos exorta a imitar a oração dos santos, pedindo a realização, em verdade, daquilo que eles conseguiram em figura. Pois, como ele diz, os dcns celestes e grandes são indicados pelas coisas terrenas. Isto quer dizer: Vós que desejais ser espirituais, pedi em vossas orações os bens celestes e grandes. Ao consegui-los enquanto celestes, herdais o reino do céu; enquanto grandes, gozareis dos bens maiores. Então, os bens pequenos e terrestres, de que tendes necessidade para a vida corporal, o Pai vo-los dará na medida do necessário.

As formas da oração

2 Como o Apóstolo na primeira Carta a Timóteo usa quatro nomes para designar as quatro maneiras diretamente relacionadas com a oração, será útil, depois de citar o seu texto, ver se bem compreendemos a significação de cada uma.

Eis o que ele diz: “Antes de tudo, recomendo que se façam pedidos, orações, súplicas e ações de graças por todos os homens” (1 Tm2,l).

A meu ver, o pedido (déesis) é a oração suplicante que alguém faz para obter aquilo de que necessita. A oração (proseuchê) é a prece mais nobre, feita com louvor de Deus, em vista de bens melhores.

A súplica, por sua vez, (énteuxis) é a demanda feita a Deus com certa ousadia por quem já tem muito e pede mais alguma coisa.

A ação de graças (eukharistia) é o reconhecimento, expresso em orações, dos bens concedidos por Deus, seja quando a grandeza do beneficio é notória, seja quando essa grandeza só aparece ao agraciado.

3 Eis exemplos da primeira forma, isto é, da oração-pedido (déesis). Assim foi com a palavra de Gabriel a Zacarias, quando este pedia, como é provável, o nascimento de João : “Não temas, Zacarias, porque foi ouvida a tua oração, e tua mulher Isabel te dará a luz um filho, que chamarás coniíO nome de João” (Lc 1,13).

Outro, no livro do Êxodo, quando fizeram o bezerro de ouro. Está escrito: “Moisés orou diante do Senhor, dizendo: Por que, Senhor, a tua cólera se inflama contra o teu povo, que fizeste sair da terra do Egito, com grande força?” (Ex 32,11). E no Deuteronômio: “E orei (déesis) pela segunda vez diante do Senhor, como da primeira vez, por quarenta dias e quarenta noites, sem comer pão nem beber água, por causa de todos os pecados que cometestes” (Dt 9,18).

No livro de Ester, “Mardoqueu, recordando todas as obras do Senhor, pediu (edeéthe) a Deus: Senhor, Senhor, rei onipotente” (Est 4,17). A própria Ester pediu ao Senhor, Deus de Israel: “Ó Senhor, nosso rei!” (id.).

4 Exemplos da segunda forma de oração (proseuchê) no livro de Daniel: “Ficando de pé, Azarias orou (proseúcsato) e, abrindo a boca em meio ao fogo, disse” (Dn 3,25). E no livro de Tobias: “E eu orava (proseucsámen) com dor, dizendo: Justo és, Senhor, e todas as tuas obras são misericórdia e verdade; e juízo verdadeiro e justo proferiste eternamente”(Tb 3,1-2).

Visto que a passagem de Daniel acima citada foi marcada com óbelo, isto é, foi cancelada pelos judeus por não constar do texto hebraico da Bíblia, e como os mesmos judeus rejeitam o livro de Tobias, citarei as palavras de Ana no primeiro livro de Samuel: “Ela orou ao Senhor, chorando com gemidos e fez um voto (proseúcsato), dizendo: Senhor dos Exércitos, se te dignares de olhar a aflição da tua serva”, etc. (1 Sm 1, 10-11). E no livro de Habacuc: “Oração do profeta Habacuc, em tom de lamentações: Senhor, ouvi a tua voz e tive medo. Senhor, refleti sobre as tuas obras e fiquei estupefato. No meio de dois animais, tu serás conhecido; no suceder dos anos serás manifestado” (Hab 3,1-2).

Esta palavra deixa bem clara a definição de oração(proseuchê), que une ao pedido o louvor de Deus.

Também no livro de Jonas se lê: “Do ventre da baleia orou (proseúcsato) Jonas ao Senhor, seu Deus, e disse: Clamei na minha angústia ao Senhor, meu Deus, e ele me escutou. Do fundo do sepulcro ele ouviu o meu clamor; lançaste-me no fiando do mar e rios me envolveram” (Jn 2,2-4).

5 Um exemplo da terceira forma de oração, isto é, da súplica (enteuxis) se encontra no Apóstolo. Acertadamente, ele atribui d a nós a oração (proseuchên), enquanto a súplica (énteuxin) ele atribui ao Espírito, por ser ele mais poderoso e ter liberdade de falar em face daquele ao qual suplica: “Não sabemos o que orar (proseuchê), como convém, mas é o próprio Espírito que suplica por nós a Deus com gemidos inefáveis. Aquele que perscruta os corações, conhece o pensamento do Espírito, que suplica a Deus pelos santos” (Rm 8,26-28). O Espírito, como se vê, suplica e suplica com insistência (hypérénteuxis), nós apenas oramos (proseuchómetha). A mim, também, parece que foi uma súplica a oração de Josué para que o sol parasse em Gabaon: “Então falou Josué ao Senhor, no dia em que Deus entregou os amorreus às mãos de Israel”, quando venceu em Gabaon, e eles foram destruídos diante dos filhos de Israel. E Josué disse: “O sol fique parado sobre Gabaon, e a lua sobre o vale de Aialon!” (cf. Js 10,12). Em minha opinião, no livro dos Juizes, foi uma súplica que Sansão fez, dizendo: “Morra a minha alma com os filisteus”, quando, “sacudindo fortemente as colunas, fez a casa desmoronar sobre os príncipes e toda a multidão que aí se achava” (Jz 16,30).

Embora não esteja escrito que Josué e Sansão “suplicaram”, mas apenas que “disseram”, no entanto, parece ser uma súplica (énteuxis), que julgamos diferente da oração (proseuchê), se tomamos os vocábulos no sentido próprio.

Exemplo de ação de graças são as palavras do Senhor quando diz: “Eu te glorifico, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes, e as revelaste aos pequeninos”(Mt 11,25; Lc 10,21).

A expressão “glorifico” significa o mesmo que “dou graças”.

6 A oração de pedido, a súplica e a ação de graças podem, sem absurdo, ser dirigidas aos santos. Destas, a segunda e a terceira se endereçam não só aos santos, mas também aos homens. Mas a primeira, isto é, o pedido (déesis), só é feita aos santos, por exemplo, a Pedro e a Paulo, para que nos ajudem a obter os frutos do poder que lhes foi dado de perdoar os pecados (cf. Mt 16,19; 18,18).

Também, se cometemos injúria a alguém que não é santo, podemos, ao tomar consciência do nosso pecado contra ele, dirigir-lhe um pedido (deetênai) a fim de que nos perdoe a injustiça.

Se podemos dirigir pedidos aos santos, com maior razão devemos dar graças a Cristo, que tantos benefícios nos fez pela vontade do Pai!

A ele podemos igualmente suplicar (énteuxis), como fez Estêvão, com estas palavras: “Senhor, não lhes imputes este pecado!” (At 7,60). Ou, imitando o pai daquele lunático, podemos dizer: “Peço, Senhor, tem piedade do meu filho” (Mt 17,15; Lc 9,38), ou, também, de mim mesmo, ou de qualquer outro.