Origenes Figura da Igreja

Orígenes — DO COMENTÁRIO AO CÂNTICO DOS CÂNTICOS
Uma figura da Igreja
(P.G. 13, 106s tradução Cirilo Folchs Gomes)

A rainha veio de Sabá. A Igreja, realizando a figura, vem das nações pagas escutar a sabedoria do verdadeiro Salomão, do verdadeiro Príncipe da Paz, nosso Senhor Jesus Cristo. A Igreja também a ele vem “com enigmas e questões”, julgados insolúveis. E todos os problemas que lhe propõe a respeito do conhecimento do verdadeiro Deus e das criaturas do mundo, ou da imortalidade da alma e do julgamento futuro (toda uma série de temas obscuros e problemáticos para ela e para seus sábios, os filósofos pagãos), são problemas que ele sabe resolver. Ela vem pois “a Jerusalém”, isto é, à “contemplação da paz”, com grande comitiva e equipagem, pois não saiu de um só povo como a sinagoga (que só abrangia os judeus), mas com ela vêm todos os povos do mundo, e traz consigo, como está dito, presentes dignos de Cristo, “perfumes suaves”, isto é, boas obras que sobem a Deus à maneira de um suave perfume.

Vem carregada “de ouro”, isto é, munida das ciências e disciplinas que pôde aprender antes de ter acesso à fé, à escola comum da Ciência. Traz uma “pedra preciosa”, na qual se pode reconhecer a nobreza dos costumes. É assim, paramentada, que se apresenta ao Príncipe da Paz, e lhe abre o coração, reconhecendo e lamentando os pecados do passado, dizendo-lhe “tudo o que tinha no coração”. Eis por que o Cristo, que é “nossa paz”, “lhe confiou por sua vez todos os seus segredos, não havendo um só que o rei não lhe tenha transmitido e revelado”.

Ela “visitou o palácio que ele havia construído”, isto é, seguramente, os mistérios de sua encarnação, sendo sua humanidade a “casa” que “a sabedoria construiu”. E ela viu “os manjares da mesa de Salomão”, esses manjares, penso, dos quais fala c Senhor quando diz: “meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e realizar suas obras”.

“Viu os apartamentos de seus servos”, isto é, sem dúvida, a hierarquia eclesiástica com. suas funções, episcopal e sacerdotal. “Viu igualmente o serviço de seus oficiais”, isto é, a ordem dos diáconos que servem na santa liturgia. Não deixou de observar “seus uniformes”, os quais penso serem as vestes com que Cristo recobre os destinatários destas palavras: “vós todos que vos batizastes no Cristo, vós vos revestistes do Cristo”.

Havia ainda “os copeiros”, que me parecem ser os doutores, que distribuem a palavra de Deus ao povo e preparam a sagrada doutrina como um vinho que “regozija o coração” de seus ouvintes.

Ela pôde ver “os holocaustos” de Salomão, isto é, os mistérios das súplicas e das preces dos fiéis. Tudo isso pôde ver no palácio do Príncipe da Paz, que é o Cristo, ela, a rainha, “negra, mas bela”.

Estupefata, então declarou: “Era tudo verdade, o que tinha ouvido em meu país, sobre ti e tua sabedoria!” Mas foi por causa da palavra, na qual reconheci a Palavra da verdade, que vim ter contigo. Sim, todas as palavras ouvidas em meu país, da boca dos sábios deste mundo e dos filósofos, não eram a verdade. Só é verdade essa Palavra que está em ti.

Perguntar-se-ia, porém, come é que a rainha pôde dizer ao rei: “Eu não cria no que eles me diziam”. Pois não teria vindo ao Cristo, se não tivesse dado crédito a eles.

O problema talvez possa ser resolvido assim: “Eu não cria no que eles me diziam”, porque não apoiava minha fé sobre eles, que me falavam de ti, e sim sobre ti mesmo; não cria em homens, mas em ti, Deus meu. Deles posso ter aprendido alguma coisa, mas foi a ti que eu vim.